Brasil, impotência olímpica
O Time Brasil não atingiu a meta de medalhas projetada pelo COB para as Olimpíadas de Paris, e isso diz mais sobre o país do que sobre o desempenho dos atletas brasileiros
O Time Brasil não conseguiu alcançar nas Olimpíadas de Paris a meta de 22 medalhas estabelecida pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Era uma meta modesta, com uma medalha a mais do que o recorde de Tóquio 2020, bem longe das mais de 120 dos Estados Unidos. Era uma meta realista, não por que esse seja o tamanho do esporte brasileiro, mas porque é o tamanho do país como um todo.
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O governo Lula divulgou uma nota para celebrar o resultado de 20 medalhas (três de ouro, sete de prata e 10 de bronze), que renderam ao Brasil o 20º lugar no ranking, e, mais do que tudo, destacar que “em 100% dos pódios em 11 modalidades conquistados pela delegação, houve presença ativa do Bolsa Atleta, o programa de patrocínio direto do Governo Federal Brasileiro”.
“Ou os atletas são integrantes atualmente do programa do Ministério do Esporte ou tiveram os nomes publicados em editais anteriores ao longo de suas carreiras”, completa a nota distribuída pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Palácio do Planalto.
Condições para competir
Infelizmente não se trata disso. Obviamente que os patrocínios públicos e de clubes ajudam os atletas brasileiros como Rebeca Andrade e Beatriz Souza a conquistar pódios, e os brasileiros podem reclamar de decisões de arbitragem e até da falta de vento no surfe neste ano para explicar o resultado, mas as condições necessárias para disputar os lugares mais altos no ranking de medalhas vão muito além do dinheiro repassado a cada atleta.
O quadro de medalhas fala mais sobre as condições econômica, política e social dos países do que sobre a capacidade de seus atletas, argumenta Simon Kuper, colunista do Financial Times, em texto intitulado What the Olympic medal table really tells us.
O subtítulo do texto diz que “a lista de países vencedores é muito mais do que apenas um guia para conquistas esportivas”. Os primeiros lugares do quadro de medalhas são ocupados todo ano, com raras exceções, por democracias de alta renda.
Exceções
A China, país com mais medalhas de ouro em Paris, é a exceção há alguns anos em meio a Estados Unidos, Japão, Austrália, França, Holanda, Grã-Bretanha, Coreia do Sul, Itália, Alemanha, Nova Zelândia e Canadá, e apenas porque se desenvolveu economicamente muito rápido na esteira de seu boom populacional.
Cuba, que até outro dia ostentava destacado desempenho olímpico, não tem mais o dinheiro soviético para mascarar os próprios problemas. A Rússia, por sua vez, fica de fora pela segunda Olimpíada seguida por não saber competir, seja dentro e fora de quadra.
Noruega, campeã mundial
A Noruega aparece apenas em 18º no ranking de medalhas das Olimpíadas de Paris, mas é a campeã esportiva per capita do mundo, de acordo com levantamento feito por Kuper em parceria com o economista Stefan Szymanski para o livro Soccernomics, baseado em desempenho olímpico e em outras competições internacionais.
O colunista do Financial Times explica: “As democracias ricas, especialmente as democracias sociais, são boas em cuidar de seus habitantes. Isso inclui fornecer às pessoas de todos os níveis de renda a oportunidade de praticar esportes”.
Kuper destaca que “mesmo nos recantos mais remotos da Noruega, por exemplo, geralmente há um campo de esportes para todas as condições climáticas na esquina”. “Normalmente, os vestiários são aquecidos, os treinadores têm diplomas e as crianças podem treinar e jogar a um preço razoável.”
“Oitenta e quatro por cento da população da Noruega praticou esportes, condicionamento físico ou atividade física recreativa pelo menos uma vez por semana em 2019, o nível mais alto na Europa, que já é um continente esportivo, de acordo com a Comissão Europeia”, analisa.
Resta correr
Para os países menos desenvolvidos, como o Quênia, que ganhou quatro medalhas de ouro (11 no total com pratas e bronzes) e ficou à frente do Brasil no ranking de Paris, resta competir em modalidades que demandam menos estrutura, como as provas de velocidade no atletismo.
“O sucesso esportivo nacional geralmente é um proxy para pontos fortes mais amplos. Um país que é bom em fornecer campos esportivos e treinadores para todos, como a maioria das democracias, tende a ser bom em fornecer assistência médica e escolas para todos. Ser rico, democrático, bem-educado e bom em esportes geralmente faz parte da mesma coisa. A maioria das pessoas em países ricos tem a chance de praticar esportes, e um punhado acaba com medalhas olímpicas”, resume Kuper.
Enfim, para conseguir mais medalhas nos próximos jogos, o debate sobre o desempenho do Time Brasil nas Olimpíadas de Paris deve ir muito além do que fazer para melhorar as condições de treino e os incentivos para os atletas. É preciso, antes de tudo, melhorar o país inteiro.
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