Kalil: lulopetismo em 2022, bolsonarismo em 2024
Político, que recebia espécie de "mesada" de R$ 60 mil do PSD mineiro, vai para o rival Republicanos na luta pela Prefeitura de BH
A trajetória política do ex-empresário e ex-dirigente esportivo, Alexandre Kalil, é tão barulhenta quanto seus rompantes de agressividade. Publicamente, quando era cartola do Clube Atlético Mineiro, ofendia árbitros, dirigentes rivais e os próprios jogadores com relativa frequência.
Já como político, protagonizou discussões em restaurantes e ameaçou um jornalista de TV durante uma entrevista: “Te pego e jogo pela janela”, vociferou, descontrolado, para um jovem e assustado repórter de Capelinha, cidade no norte de Minas.
Filho de um empresário local e também ex-presidente do Galo, Elias Kalil (falecido em 1992), Alexandre herdou os negócios do pai, mas não conseguiu manter a boa administração. Afundado em dívidas, deixou fornecedores e funcionários a ver navios, e partiu para a “nova carreira”, tornando-se presidente do CAM.
Meio cheio ou meio vazio
Eleito o 43º presidente do Clube, em outubro de 2008, ocupou o cargo até dezembro de 2014. Se colecionou importantes títulos durante o mandato – Libertadores da América em 2013 e Copa do Brasil em 2014 -, foi o presidente mais goleado pelo rival Cruzeiro, inclusive um inédito 6×1, em dezembro de 2011, placar que até hoje tira o sono dos atleticanos.
Ao final de sua gestão, o Atlético colecionava dívidas e problemas administrativos de toda sorte, entrando em uma espiral de endividamento que, no limite, ameaçava a própria existência do Clube. Em 2019, prestes a não conseguir abrir as portas, o então presidente Sérgio Sette Câmara procurou Rubens Menin, um dos mais importantes empresários do País, pedindo ajuda.
Rubens, então, reuniu outros atleticanos fanáticos e endinheirados – Ricardo Guimarães e Renato Salvador -, além do filho Rafael Menin. Conhecidos como os 4 Rs, convidaram um amigo com experiência em Atlético, Sergio Coelho, acordaram a sucessão de Sette Câmara e assumiram a gestão do Galo em 2020, culminando com a transformação da Associação em SAF, em 2023.
Trem da alegria alvinegro
A despeito dos títulos conquistados em tão curto período (Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil em 2021, reconhecimento do título brasileiro de 1937, Supercopa do Brasil em 2022 e Pentacampeonato mineiro em 2024), e da festejada inauguração da Arena MRV, duas auditorias internas – realizadas por empresas internacionalmente renomadas – apontaram desmandos administrativos, uso indevido de dinheiro do Clube e contratação de amigos e parentes durante a gestão de Alexandre Kalil.
Desde então, “o caldo entornou” e desavenças públicas entre os atuais donos do Atlético e o ex-presidente ganharam as manchetes. Dias atrás, Rubens Menin, acionista majoritário da SAF atleticana, em entrevista ao ge, da Globo, acusou Kalil de promover um “trem da alegria” ao Marrocos, em 2013, levando cerca de 50 amigos e parentes – tudo bancado pelo Atlético – para assistir ao Mundial de Clubes da FIFA.
Segundo “Rubão”, a premiação que o Clube recebeu pela participação no torneio foi inferior aos gastos com hotéis de luxo, champanhe e outras “mordomias” patrocinadas por Kalil com o dinheiro do Galo. A notícia repercutiu bastante nas redes sociais, atingindo duramente a imagem do ex-presidente junto aos torcedores atleticanos.
Prefeitura e CPI
Alexandre elegeu-se em 2016, surfando a onda “antipolítica” que varreu o Brasil. Declarando-se um outsider – ainda que filiado a partidos políticos há anos – bateu o tucano João Leite e tornou-se o 52° prefeito de Belo Horizonte. Antes da posse, brigou feio e rompeu com um de seus mais importantes coordenadores de campanha, o então recém-eleito vereador Gabriel Azevedo, hoje presidente da Câmara Municipal de BH (Gabriel está em seu segundo mandato e é candidato à Prefeitura, em outubro próximo, pelo MDB).
Os quatro primeiros anos foram marcados por conflitos com a câmara de vereadores e por brigas públicas com opositores. Em 2020, em plena pandemia do coronavírus, Kalil foi reeleito na esteira de uma boa gestão no combate à doença – Belo Horizonte foi a cidade com mais de 1 milhão de habitantes com o menor número de mortes por Covid-19 no País. Em 2023, já fora da Prefeitura, foi investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) por supostos “abusos de Poder”.
Ele não foi indiciado, mas fatos graves vieram à tona, como uma prestadora de serviços da Prefeitura e do Atlético, à época em que Kalil foi prefeito e presidente do Clube, que, em depoimento, confessou que pagava despesas pessoais dele (Kalil) com o próprio cartão de crédito, e depois era ressarcida através de envelopes contendo “dinheiro vivo”, entregues por emissários, escapando, assim, do sistema bancário e órgãos de controle – Kalil responde a inúmeras execuções judiciais.
Saída à direita
Alexandre abandonou o cargo em março de 2022 para disputar o governo de Minas, e após uma gestão desastrosa para segmentos econômicos importantes da cidade, como os setores imobiliário e de bares e restaurantes, foi derrotado, ainda no primeiro turno, por Romeu Zema (Novo). Imediatamente, tentou participar da campanha de Lula à Presidência da República (dividiram palanques no estado), mas após algumas brigas foi “defenestrado” pela equipe.
Com o petista já eleito, Kalil tentou conseguir cargos no governo federal, sem sucesso. Recluso em BH, isolado politicamente, em guerra com empresários locais, assistindo o sucesso de seus “inimigos” frente ao Atlético, foi perdendo importância política como retratou a pesquisa O Fator/Ver, do site O Fator, parceiro de O Antagonista. Para 67% do eleitorado da cidade, Kalil ou é irrelevante ou influencia negativamente um candidato que apoie.
Talvez por isso a esperada mudança de partido – do PSD para o Republicanos -, exceto pela legenda escolhida, afinal, alinhado com o presidente Lula e partidos de esquerda, ninguém imaginava sua saída para um partido de “conservadores e evangélicos de direita”, com quadros bolsonaristas como os senadores Cleitinho Azevedo e Damares Alves. Além disso, o Republicanos tem como candidato à Prefeitura de BH o deputado estadual Mauro Tramonte, que negocia a chapa com o partido Novo, de Romeu Zema, com quem Kalil trocou duras ofensas durante a campanha de 2022.
Mesada desperdiçada
Como dito, a saída de Kalil do PSD era esperada, não à toa jamais ter firmado apoio a seu correligionário e parceiro de chapa, Fuad Noman, atual prefeito de BH e candidato à reeleição. A surpresa, repito, foi o partido escolhido, demonstrando total incoerência com os discursos e posições passadas.
Outro fato perturbador foi a maneira, digamos, pouco polida, já que a notícia foi dada pela imprensa local, antes mesmo de Kalil conversar com Gilberto Kassab (presidente nacional do PSD), Rodrigo Pacheco (presidente do Senado), Cássio Soares (presidente do partido em Belo Horizonte) e, ainda que meramente por protocolo, já que inimigos confessos, Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia (presidente estadual da legenda).
Os próximos dias poderão ser ainda mais intensos, já que “o troco vem a galope”. Nesta sexta-feira (26), circulava pela cidade uma planilha interna do PSD, detalhando despesas de funcionários pessoais de Kalil, pagas com o dinheiro do partido, no valor aproximado de 60 mil reais. São assessores, motoristas, seguranças, carros e escritório. Após meses sendo bancado pela legenda, seguir para o principal partido rival pode realmente “dar ruim”.
Há anos sem rendimento empresarial ou de outro trabalho formal – exceto o período como prefeito -, Kalil mora em um luxuoso edifício no bairro mais caro da capital. É visto, com frequência, passeando com motos e carros importados. Frequenta hotéis e restaurantes caros, e viaja regularmente ao exterior. A ver, portanto, se o Republicanos, partido de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, será igualmente generoso com Alexandre Kalil.
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