Odebrecht ainda é corrupto no Peru
Além dos incertos efeitos internos, impacto internacional das decisões de Dias Toffoli obriga o STF a se pronunciar coletivamente sobre elas
O Peru é mais feliz que o Brasil.
Ao menos nesta quinta-feira, 23.
O jornal La República (foto), um dos maiores do país, trazia no topo de sua página na internet, nesta manhã, uma reportagem dizendo que a decisão do ministro do STF Dias Toffoli, que anulou todos os atos da Lava Jato contra Marcelo Odebrecht (exceto aqueles que o beneficiam), não afeta de maneira alguma as provas de corrupção que o empresário entregou às autoridades peruanas.
Dito de outra maneira, no Peru, decisões individuais de um magistrado que aparece nos autos do próprio processo, com o sugestivo apelido de “amigo do amigo de meu pai” em papéis de uma empresa que admitiu ter cometido crimes, não se sobrepõem à realidade destrutiva da corrução.
“Aumentar Keiko para 500”
A Lava Jato, como é sabido, teve desdobramentos em quase duas dezenas de países, de Angola a Cuba, de Portugal ao México. O Peru foi aquele onde as investigações locais mais avançaram, com impactos políticos consideráveis.
Segundo esses inquéritos, a Odebrecht, entre diversas ilegalidades, teria financiado de maneira oculta campanhas presidenciais de Keiko Fujimori e Ollanta Humala e ainda pago propina a aos ex-presidentes Alejandro Toledo e Alan García (que se suicidou em abril, quando uma ordem de prisão foi expedida contra ele em razão desses processos).
O caso destacado pelo La República é o de Keiko Fujimori. O jornal lembra de uma anotação encontrada no telefone celular de Marcelo Odebrecht, a respeito de doações clandestinas para a política: “Aumentar Keiko para 500 e eu fazer visita”.
São palavras marcadas na memória política dos peruanos, assim como a corrupção descoberta pela Lava Jato está cravada na memória dos brasileiros, faça o que fizer o amigo do amigo do pai de Marcelo Odebrecht.
Legislação peruana
Em declaração ao jornal peruano, o promotor Rafael Vela lembra que Odebrecht também celebrou um acordo de colaboração no Peru:
“As provas foram entregues por Odebrecht num acordo de colaboração eficaz celebrado no Peru, aprovado com homologação e controle de legalidade por uma juíza do Peru, com as leis peruana. Quase 90 por cento de todas as evidências documentais presentes nos casos foram entregues no Peru, conforme a legislação peruana. Portanto, a decisão do ministro brasileiro não tem nenhum efeito aqui, muito menos no caso de Keiko Fujimori, cuja instrução já está completa. Falta apenas começar o julgamento, em julho.”
Obviamente, advogados que representam os acusados no Peru discordam dessa interpretação e vão procurar utilizar a decisão de Toffoli para invalidar processos também por lá, conforme antecipa o La Republica. Talvez consigam. Nesse caso, Toffoli terá conseguido exportar com sucesso a nossa miséria institucional.
O plenário do STF não vai dizer nada?
De volta ao Brasil, tanto Folha de S. Paulo quanto Estadão publicaram nesta quinta editoriais que criticam que as decisões arrasa-quarteirão de Toffoli sobre a Lava Jato não sejam levadas ao plenário da Corte.
Segundo ambos os jornais, é preciso evitar que “o trigo seja descartado juntamente com o joio” (Folha) ou que “a criança seja jogada fora com a água do banho” (Estadão) – em outras palavras, que toda a sujeira revelada pela Lava Jato se transforme em fumaça por obra e graça de um único juiz.
Acrescento outra razão para que o plenário se debruce sobre o assunto: o fato de as decisões de Toffoli poderem ser instrumentalizadas em outros países – sem falar de seus impactos financeiros ainda incertos, mas certamente bilionários, em órgãos internos como o Carf – demanda que o colegiado as analise, caso tenha algum interesse por sua imagem institucional, inclusive no exterior.
A oposição não é séria
Uma última palavra, sobre os políticos brasileiros. O silêncio quase absoluto sobre as decisões de Toffoli mostra que corrupção é assunto que não interessa nem à situação, nem à oposição.
Em vez de viajar ao exterior para entregar medalhas de brinquedo a ditadores, uma oposição séria viajaria a países como Peru e Colômbia, onde a corrupção com pedigree brasileiro ainda é investigada e leva gente à cadeia, para lembrar que o petrolão não foi apenas uma fantasia de promotores e juízes malvados.
Se a oposição fosse séria…
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