Jerônimo Teixeira na Crusoé: Um chamado para nos arrancar da lama
No seu momento mais crítico, Porto Alegre e o Rio Grande do Sul despertaram o melhor de seus cidadãos e de todos os brasileiros
Meu pai nunca esqueceu o fedor das casas inundadas.
O episódio ocorreu antes de eu nascer – nos anos 1950, suponho. Como funcionário da prefeitura de Montenegro, meu pai foi chamado a ajudar famílias que estavam retornando a suas casas depois de uma enchente. Ele terá visto sua cota de móveis arruinados e geladeiras estragadas, mas o que mais o impressionou foi o cheiro que o rio Caí deixou nas casas que alagou. A lama que se depositara nos soalhos estragados exalava um odor pungente de esgoto, detritos, podridão.
Ouvi essa história várias vezes. Gostaria de ouvi-la de novo (não é mais possível). Desejaria preencher lacunas sobre as quais nunca perguntei. Quem eram aquelas famílias ribeirinhas? Do que viviam? Onde se abrigavam quando o Caí subia? Meu pai não dava maiores informações sobre essas pessoas.
Só falava da tristeza que as consumia.
Tenho pensado nessa tristeza. Escrevo na quarta-feira, 8 de maio. As chuvas que castigaram Montenegro e outros 394 municípios gaúchos deram uma trégua, mas há previsão de que voltem a cair no fim de semana. Aguardamos, ansiosos, que as águas finalmente baixem.
Então, depois do momento terrível em que tiveram de fugir da enxurrada, muitos viverão a hora triste de retornar a suas casas, para encontrá-las estragadas, enlameadas.
***
Nasci em Montenegro, mas vivi pouco tempo lá. Ainda criança, cheguei a ver uma enchente na cidade. Se lembro bem, eu estava dentro de um carro, em algum ponto alto. O Caí transbordara de suas margens, espalhando sua cor marrom sobre uma vizinhança de casinhas de madeira pintadas de cores pastéis, como uma versão terceiro-mundista de um cenário de Wes Anderson. Nada comparável à foto aérea que vi na semana passada, na qual o marrom engolia um naco bem maior de uma cidade.
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