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O Brasil quer avacalhar a delação premiada  

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Carlos Graieb
6 minutos de leitura 04.05.2024 16:42 comentários
Análise

O Brasil quer avacalhar a delação premiada  

Direita e esquerda agem para descredibilizar a ferramenta que permite à lei alcançar os poderosos

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O Brasil quer avacalhar a delação premiada  
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Está em curso mais um daqueles episódios estranhos em que gente da direita e da esquerda acaba caminhando de mãos dadas no Brasil. Desta vez, o objetivo é descredibilizar o instituto da delação premiada.  

Nesta sexta-feira, 3, o ministro Alexandre de Moraes decidiu manter válida a delação assinada pelo tenente-coronel Mauro Cid em setembro do ano passado.  

O risco de anulação surgiu no final de março, quando vazaram para a revista Veja trechos de uma conversa entre o militar e um personagem que até hoje não se sabe quem é.   

Os áudios davam a entender que Cid sofreu coação dos policiais que investigam as maquinações golpistas e outros possíveis crimes do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Cid se explica

Mandado para a cadeia, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro teve de se explicar. 

Garantiu ter assinado o acordo de delação premiada de livre e espontânea vontade. 

Disse também que não foi obrigado a relatar algo que não tenha acontecido, mas reiterou a opinião de que os investigadores já tinham um hipóteses formadas quando o interrogaram.  

Moraes mandou soltá-lo e ratificou os termos da colaboração.  

A tese da coação

Do ponto de vista jurídico, fica tudo como estava.  

Do ponto de vista político, a ideia de que Cid foi obrigado a incriminar seu ex-chefe não retrocedeu entre bolsonaristas. Basta olhar as redes sociais.  

Pelo lado da esquerda, a campanha contra colaborações premiadas e leniências (utilizadas para pessoas jurídicas) já está em curso há um bom tempo.  

Na batalha do momento, partidos como PT, Psol e PCdoB trabalham com advogados que se dizem progressistas para destruir os acordos de leniência assinados por empresas corruptas durante a Lava Jato.  

A tese, mais uma vez, é de que houve coação. 

Delação não é festa

É preciso repelir esses discursos, sob pena de se perder um dos poucos instrumentos eficazes no Brasil para o combate ao crime organizado e às tramoias de grupos políticos em que alguns personagens mandam e outros obedecem. 

Autoridades e criminosos não são amigos combinando uma festa quando se sentam para negociar um acordo de colaboração. 

De um lado da mesa há investigadores que já dispõem de provas de que alguma falcatrua; do outro, há gente disposta a delatar comparsas em troca não de um presente, mas de algum alívio na punição. 

O potencial colaborador precisa estar assessorado por advogados para garantir que o acordo não foi feito sob coação. Isso é fundamental. Advogados podem denunciar pressões indevidas. Devem assegurar, além disso, que seu cliente compreenda com exatidão os termos e as consequências do acordo, antes de assinar a papelada.  

Pressão faz parte do jogo

Depois do vazamento dos áudios, o STF perguntou a Cid se ele confirmava que seu acordo havia sido fechado voluntariamente. Esta foi a resposta, nos termos do relatório: “Sim, confirma e reafirma; a vontade continua sendo a mesma. De forma espontânea e voluntária. Ciente de que seria feita a colaboração. Afirma não ter havido pressão do judiciário ou da policia. Conversou previamente com os advogados sobre a colaboração.” 

Quando as grandes empresas flagradas na Lava Jato firmaram seus acordos de leniência, todas estavam representadas por times de advogados e executivos, muito bem pagos e munidos de leis e calculadoras. Se esses especialistas tivessem concluído que era mais benéfico para as companhias deixar o processo correr em vez de assinar a leniência, teriam feito isso. Beira a má-fé sustentar o contrário.  

Deve-se lembrar também que assinar um acordo de colaboração é apenas um primeiro passo. Os depoimentos virão em seguida e não cabe esperar que os policiais ou promotores aceitem a versão do delator passivamente. Eles podem e devem questioná-lo, confrontá-lo e até pressioná-lo.  

Foi isso o que aconteceu na delação de Mauro Cid. Segundo ele, os policiais tinham uma tese investigativa, que muitas vezes não coincidia com sua versão dos fatos. Isso não é um problema. Haveria um escândalo se os investigadores tivessem forjado suas declarações. Mas o tenente-coronel nega essa situação. O que não podem, é forjar declarações falsas. “Nenhum membro da polícia federal o coagiu a falar algo que não teria acontecido”, diz o seu novo depoimento. 

Brasil e Estados Unidos

Nos Estados Unidos, 98% dos processos criminais são atualmente resolvidos por meio de plea bargains, as negociações entre promotores e acusados que serviram de modelo para as colaborações premiadas no Brasil.   

Ao investigar esse número, os americanos chegaram à conclusão de que o sistema precisa ser revisto. Embora os ganhos em eficiência na administração dos tribunais e em redução de penas e encarceramentos sejam inegáveis, chegou-se à conclusão de que a quase universalização da prática acaba gerando injustiças, como um grande número de inocentes que se declaram culpados porque esse é o caminho disponível para evitar um longo processo.  

Não cabe comparar a situação brasileira com a dos Estados Unidos. Aqui, a colaboração premiada ocorre numa parcela ínfima de casos. Não vale para qualquer crime, mas apenas para os mais complexos, que teriam grande chance de passar impunes sem as provas que uma delação pode trazer.

Tubarões e progressistas

Advogados “progressistas” odeiam as delações brasileiras porque elas impedem que processos se alonguem por milênios, o que sempre é bom negócio para um criminalista remunerado a preço de ouro.  

Políticos odeiam delações porque elas incentivam bagrinhos a revelar os podres de tubarões.  

Ninguém precisa amar as delações. Basta reconhecer que elas levam a lei a lugares que, de outra forma, permaneceriam inacessíveis no Brasil.  

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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