Então Elon Musk virou garimpeiro ilegal?
A solução de Moraes para regular as redes sociais no Brasil só não erra mais o alvo do que a sugestão de Sâmia Bomfim para combater o garimpo ilegal bloqueando o sinal da Starllnk
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) acionou a Anatel para investigar a utilização de aparelhos da empresa Starlink, de Elon Musk (foto), em atividades de garimpo ilegal no Brasil. A demanda foi feita com base na notícia de que o Ibama apreendeu ao menos 90 desses equipamentos de internet via satélite em operações contra garimpo ilegal nos últimos 12 meses.
“Como essas antenas de banda larga foram parar nas mãos do crime organizado? É evidente que a empresa do bilionário faz vistas grossas para a utilização do seu produto a serviço do crime”, comentou a deputada em postagem sobre o assunto, completando: “Por isso, acionei a Anatel por uma investigação rigorosa e, comprovados os crimes, a suspensão da licença da Starlink para operar no Brasil”.
Para se ter uma ideia do equívoco do raciocínio, seria como demandar a suspensão dos serviços das empresas de telefonia porque permitem acesso à internet em presídios, entre outros vários exemplos que inundaram as respostas à postagem da deputada.
Redes sociais
Apesar do absurdo, a iniciativa de Sâmia é ilustrativa da forma como a intervenção de Musk no debate sobre regulação de redes sociais no Brasil tem sido tratada por quem ainda não se tocou do mérito da questão — entre eles o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que segue repetindo palavras de ordem sobre o assunto.
Ao ameaçar descumprir decisões judiciais que considera injustas, Musk foi incluído automaticamente por Moraes no grupo daqueles suspeitos de atentar contra a democracia brasileira. Mas o que aconteceria caso o dono do X resolvesse desbloquear os perfis bloqueados? O ministro do STF deixou claro ao incluí-lo no inquérito das milícias digitais: teria de pagar multa.
Caso o bilionário optasse por não pagar a multa, algum de seus representantes no X poderia vir a ser preso. No que exatamente todo esse processo viria a atentar contra a democracia brasileira?
“Extrema direita”
O argumento é de que um grupo muito mal intencionado de políticos — a famigerada “extrema direita” — se abriga atrás do conceito de liberdade de expressão para abalar a República. Contra esses malfeitores, o STF resolveu abalar a República ao seu próprio modo, pulando algumas instância judiciais sob a alegação de se defender de “ataques”.
Se esses agentes públicos e seus apoiadores tentam se valer do argumento da liberdade de expressão para cometer crimes, como alegam seus críticos, as autoridades competentes devem acusá-los por esses crimes; e, caso a Justiça assim entenda, deve julgá-los e condená-los, se for o caso, como se faz desde que o mundo se civilizou.
Para quem ainda não compreendeu, o problema central dessa história toda é o atalho criado pelo STF em 2019 para atropelar todo o processo legal no que diz respeito à liberdade de expressão. Como explicou reportagem de Crusoé, os procedimentos que foram adotados sob o argumento da excepcionalidade se tornaram perenes, mesmo depois de demonstrar limitações e contradições nos últimos cinco anos.
“Desordem informacional“
Cito um trecho da reportagem para deixar isso mais claro:
“Durante as eleições de 2022, o então ministro do STF Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça do governo Lula, mandou derrubar do X postagens que faziam menção a fatos verdadeiros, como o apoio do PT à ditadura da Nicarágua, ou um vídeo com o título ‘Relembre os Esquemas do Governo Lula’, que elencava os diversos escândalos políticos do primeiro mandato do atual presidente. Segundo Lewandowski, como Lula não havia sido condenado por nenhum daqueles fatos, rememorá-los poderia causar “desordem informacional” – algo com que ‘o cidadão comum, o eleitor ordinário (…) não estaria preparado para lidar'”.
Pouco importa se você discorda de Moraes ou Lewandowski, porque quem decide são eles, e os punidos não chegam nem a ter a chance de argumentar ou tentar se explicar.
Atalho ruim
A solução de Moraes para a regulação das redes sociais incorre em erro parecido ao da sugestão de Sâmia — e ao de quem pensa em punir as empresas pelo que seus usuários postam. Bloquear perfis à revelia, a partir do entendimento particular de que determinado conteúdo postado é deliberadamente mentiroso, é um atalho ruim, pois leva a questão para um caminho errado.
A solução para o garimpo ilegal é responsabilizar aqueles que cometeram o crime, seguindo todo o protocolo legal previsto. O mesmo se aplica a quem porventura promover um plano para golpe de Estado ou incitar um crime: devido processo legal, direito de defesa, etc.
Do contrário, o responsável pelo alegado crime não será devidamente punido. E pior: a punição errada, concentrada em apenas um juiz, passará a machucar o direito fundamental de se dizer o que pensa, por mais errado e mal intencionado que seja — ou que tenha sido uma postagem específica.
Quem perde com isso não é apenas o dono do perfil bloqueado, mas o país inteiro.
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