“Eles entendem como fraude, entendeu?” “Eles entendem como fraude, entendeu?”
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“Eles entendem como fraude, entendeu?”

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Rodolfo Borges
9 minutos de leitura 19.03.2024 14:22 comentários
Brasil

“Eles entendem como fraude, entendeu?”

Trocas de mensagens de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, detalham trama para adulterar cartões de vacinação. Ele tentou mais de um caminho até conseguir

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Rodolfo Borges
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“Eles entendem como fraude, entendeu?”
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O tenente-coronel Mauro Cid (ao centro na foto) disse à Polícia Federal que o ex-presidente Jair Bolsonaro ordenou que ele falsificasse seu cartão de vacinação (e o da filha, Laura) após ficar sabendo que seu ajudante de ordens tinha feito o mesmo para a família.

No relatório que embasa o indiciamento de Bolsonaro, entre outros envolvidos na trama, estão trocas de mensagens entre Cid, o segundo-sargento Eduardo Crespo Alves e ex-militar Ailton Gonçalves Moraes Barros, entre outros, que revelam as tentativas de inserir dados falsos no sistema do Ministério da Saúde.

“O objetivo de MAURO CESAR CID era inserir os dados de vacinação falsos em nome de sua esposa no sistema ConecteSUS do Ministério da Saúde, com a finalidade de obter o certificado de vacinação contra a COVID- 19. Para isso, MAURO CID solicitou auxilio ao Segundo-Sargento do Exército EDUARDO CRESPO ALVES”, diz o relatório da PF, obtido por O Antagonista.

Como começou

Cid estaria interessado em viabilizar uma viagem da mulher, Gabriela Santiago Cid, aos Estados Unidos, mas sem precisar do registro de vacinação contra Covid-19. “Gabriela tem sopro no coração…Ele poderia ser contraindicada para tomar vacina?”, questiona a um médico em troca de mensagens mencionada pela investigação.

A PF registra que “as mensagens foram enviadas por MAURO CID cerca de um mês antes das inserções dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em beneficio de GABRIELA SANTIAGO CID, demonstrando que MAURO CID estava tentando encontrar alguma forma de viabilizar a viagem de sua esposa para os Estados Unidos sem a necessidade de ter o comprovante de vacinação“. “Como não conseguiu, engendrou o esquema para falsificar os dados de vacinação”, concluem os investigadores.

Segundo as investigações, mensagens de áudio de 22 e 23 de novembro de 2021 “demonstram que EDUARDO CRESPO iniciou os atos executórios para inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em favor de GABRIELA SANTIAGO CID no sistema do Ministério da Saúde”.

Quem conseguiu consumar a fraude, contudo, foi Aílton Barros, em Duque de Caxias (RJ), em 30 de novembro, pouco mais de uma semana depois dos registros que apontam o início das tentativas.

Dificuldade

Nas conversas, Crespo relata dificuldade para fazer a inserção dos dados falsos. Ele disse o seguinte em mensagem de áudio enviada por WhatsApp e transcrita pelos agentes da PF:

“Infelizmente, ela não está conseguindo porque o sistema daqui não aceita, não está aceitando, o, o, a vacina que ela tomou. O lote que veio para o Rio de Janeiro é diferente. Não tem esse lote aqui, então você, o sistema não aceita. Eles entendem como fraude, entendeu? Ela está pedindo aqui se a gente consegue a unidade que ela falou que vai fazer um contato lá com o pessoal do SUS. Mas precisa saber o nome da unidade.”

Diálogos entre Mauro Cid e Crespo
Foto: Reprodução/PF

Crespo não sabia no início

Segundo a PF, “no dia 22 de novembro de 2021, EDUARDO CRESPO questiona MAURO CID se a registro das vacinas foram realizados em uma unidade militar ou civil. MAURO CID responde ‘civil’ e em seguida encaminha uma mensagem, contendo, em anexo, o cartão de vacinação com dados falsos”.

No início das tratativas, Crespo dá a entender que não sabia que Cid tentava adulterar o cartão da mulher:

“Logo depois, EDUARDO CRESPO encaminha uma mensagem de áudio, já identificado na presente investigação, em que pergunta sobre o motivo de GABRIELA CID não ter conseguido cadastrar as doses de vacina, afirmando que a pessoa que estaria tentando inserir nos registros no sistema iria fazer esse questionamento. Em resposta, MAURO CID, falsamente, afirma que teriam esquecido de realizar o cadastro, quando sua esposa tomou a vacina, diz: ‘Pq parece que esqueceram de cadastrar. Quando ela tomou’. EDUARDO CRESPO responde: ‘Entendi’. Nesse momento, os dados objetivos demonstram que EDUARDO CRESPO não tinha ciência que os dados repassados por MAURO CID eram falsos.”

Batata

Surge na conversa, então, Paulo Sergio da Costa Ferreira, conhecido como Sergio Batata e identificado pela PL como a “pessoa que estava intermediando a tentativa de inserção dos dados falsos de vacinação em nome de Gabriela Cid”.

Em resposta a Crespo, Batata se refere a uma mulher identificada como Sonia pela PF para dizer que ela “teria saído para uma reunião na Secretaria de Saúde e que estava aguardando o seu retorno”. “SERGIO ainda afirmou que ‘ela’ iria lançar os dados direto no sistema do SUS. EDUARDO CRESPO insiste perguntando, ‘Mas, da pra fazer?’. SERGIO diz: ‘Ela disse que vai dá (sic) um jeito'”, descreve o relatório da PF.

“No mesmo contexto, EDUARDO CRESPO afirma para MAURO CID que o procedimento estaria ‘noventa por cento já confirmado'”, diz o relatório. A essa altura, os investigadores consideram que Crespo já tinha ciência de que o procedimento era fraudulento, pois começou a demonstrar receio em relação aos registros de conversa.

Quando puder falar ,teria como o sr. Da uma alô? Queria lhe fazer uma pergunta, mas seria melhor falado”, disse o segundo-sargento a Cid.

“Cri cri cri”

O relatório segue: “No dia seguinte, 24/11/2022 [o ano parece errado no registro da PF, pois se trata de 2021], às 19h10min, EDUARDO CRESPO encaminha para SERGIO BATATA uma mensagem como se estivesse cobrando uma resposta relativa a inserção dos dados. Diz: ‘Cri cri cri’. Logo em seguida, SERGIO encaminha uma mensagem de áudio indagando que ‘ela’, se referindo a pessoa de nome SONIA, estava perguntando em qual unidade GABRIELA teria tomado a vacina. Em seguida, encaminha o print da conversa que teve com SONIA”.

Onze minutos depois, Batata informa que o plano não vingou. É nesse momento que Crespo diz a frase “Eles entendem como fraude, entendeu?” e Cid questiona se ele tem Signal, aplicativo de conversa de rastreamento mais difícil. Crespo respondem que tem Signal e Telegram.

Novo cartão

Sem conseguir consumar a fraude, os envolvidos obtêm um novo cartão de vacinação em branco, da Secretaria de Saúde de Goiás, para burlar o problema do lote que não fora para o Rio de Janeiro.

“No dia 03 de dezembro, EDUARDO CRESPO cobra novamente SERGIO “BATATA” sobre a inserção dos dados falsos de vacinação. SERGIO diz: ‘o cara falou que ia resolver com a Secretária de Saúde de São Gonçalo direto’”, segue o relatório.

Em 7 de dezembro de 2021, Cid encaminha uma mensagem de áudio a Crespo em que diz que já conseguiu inserir os dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde por “outros contatos”, registra a PF. Ele diz: “Já resolvi. Já… Já consegui com outros… outros contatos aí. Segura… Segura essa… essa na manga aí. Valeu!”.

“Na forma tentada”

“Diante dessa informação, EDUARDO CRESPO encaminha uma mensagem de áudio para SERGIO (BATATA) afirmando: ‘O cara já desenrolou já, cara. Pode abortar aquela missão lá de São Gonçalo’. Em seguida, encaminha nova mensagem escrita: ‘Aborta'”, registra o relatório.

Apenas por tentar inserir os dados, Cid, Crespo e Batata foram indiciados pela prática do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, “na forma tentada”, junto com o sargento Luís Marcos dos Reis, ex-integrante da Ajudância de Ordens, e o médico Farley Vinicius Alcântara, que também participaram dos esforços.

Quem conseguiu

Quem conseguiu, enfim, adulterar o cartão de vacinação da mulher de Cid foi o advogado e ex-militar Ailton Gonçalves Moraes Barros. Ele diz nas mensagens que envolveu o vereador Marcello Moraes Siciliano na questão, mas a PF registrou que “os elementos colhidos até a presente data, não indicam sua participação nos atos criminosos investigados”.

Em 30 de novembro de 2021, Ailton “encaminha nova mensagem de áudio, confirmando a consumação da inserção dos dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde, com duas doses da vacina da fabricante Pfizer, diz: ‘recebi o retorno agora. É… aquele amigo, já está vacinado com 2 doses da Pfizer. Amanhã eu estou pegando o documento está bom?”’.

“A análise dos áudios indica que AILTON BARROS, conscientemente, evita citar o nome de GABRIELA SANTIAGO CID, esposa de MAURO CID, ao confirmar que ‘aquele amigo’ já estaria ‘vacinado com 2 doses da Pfizer'”, descreve o relatório da PF.

Mensagem de Aíton Barros
Foto: Reprodução?PF

Xerém

“Foi registrado no sistema que GABRIELA SANTIAGO RIBEIRO CID teria recebido a primeira dose da vacina, lote “FD7210”, na data de 25/08/2021, no posto médico sanitário de Xerém, no município de Duque de Caxias/RJ, aplicada pela servidora CAMILA PAULINO ALVES SOARES. No entanto, o dado só foi inserido no sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e depois enviado à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS5), na data de 30/11/2021 às 16h23min. A inserção dos dados falsos foi realizada por meio do usuário e senha da operadora CAMILA PAULINO ALVES SOARES”, diz a PF.

O procedimento foi feito em IP cadastrado no nome de outro servidor, Marcelo Fernandes de Holanda. A segunda dose da vacina da Pfizer teria sido aplicada em Gabriela em 15 de outubro de 2021 no mesmo local e pelo acesso da mesma servidora e pelo mesmo IP, mas foi registrada no sistema apenas um minuto depois do registro da primeira dose.

Cid confirmou todo esse enredo à PF, enquanto sua mulher admitiu que nunca esteve em Duque de Caxias.

Interesse

“A análise dos dados armazenados no telefone celular de AILTON BARROS, identificou que o investigado possui o contato telefônico de JOÃO CARLOS DE SOUSA BRECHA, Secretário Municipal de Governo de Duque de Caxias, responsável pela execução de inserção de dados fraudulentos de vacinação de diversas pessoas investigadas no presente procedimento”, dizem os investigadores.

A PF conclui que “possivelmente, AILTON BARROS utilizou o êxito na inserção dos dados falsos de vacinação em nome de GABRIELA SANTIAGO CID para conseguir uma contrapartida de MAURO CID, no caso, a intermediação de um encontro de MARCELLO SICILIANO com o Consul dos Estados Unidos no Brasil para resolver um problema relacionado ao seu visto de entrada no referido país”.

Por todo o descrito, Cid, sua mulher Gabriela, Aílton, Camila e Holanda foram indiciados pela prática do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações.

Leia mais:

Filha de investigado pela PF: “Não falsifica, por favor”

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

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