O bolsonarismo e o dilema do prisioneiro
Cada um no grupo do ex-presidente precisa decidir se fica em silêncio ou fala para salvar a própria pele diante da Polícia Federal. Quem dos 23 dará sua versão?
O inquérito da Polícia Federal sobre o complô para subverter o resultado das eleições de 2022 pôs a cúpula do bolsonarismo diante de uma charada. De Jair Bolsonaro a Valdemar Costa Neto, passando por militares como o general Augusto Heleno, cada um dos personagens precisa decidir o que dizer ou não dizer aos investigadores, ao mesmo tempo que se preocupa com as escolhas dos colegas de conspiração.
Nesta quinta-feira, 22, bolsonaristas foram depor à PF em Brasília. Deles, quinze ficaram de bico calado, incluindo o ex-presidente. Outros oito responderam ao interrogatório, mas aparentemente não acrescentaram nada ao que a polícia já sabia.
Há sinais de que a desconfiança começa a envenenar as relações entre os (ex-)aliados. Bolsonaro tem medo de que Valdemar o entregue aos leões. Circula o rumor de que o general Walter Braga Netto poderia ser pintado como o maior incentivador de um golpe, para isentar seu ex-chefe.
Matemática
Em vez de advogados, essa gente deveria contratar matemáticos para aconselhá-los. Estão às voltas com uma encenação supercomplexa e em tempo real do problema mais famoso da teoria dos jogos, o dilema do prisioneiro.
Eu, que sou um zero à esquerda em matemática, não tenho a menor pretensão de solucionar o enigma para os bolsonaristas. Aliás, mesmo que fosse o próprio John von Neumann, um dos pais da teoria dos jogos, não os ajudaria: estou convicto de que todos queriam “virar a mesa” e merecem pagar por isso em alguma medida.
Nossa política é corrupta, injusta, esculhambada, mas ainda prefiro que ela se conserte aos poucos do que ver o país embarcar numa aventura com gente que se acha iluminada. Ninguém é iluminado.
Ser egoísta ou cooperar?
O dilema do prisioneiro (em versão para dummies) fala daquela situação em que dois sujeitos precisam decidir se agem de maneira egoísta ou cooperam entre si quando um interrogador os pressiona. Em tese, se os dois ficarem em silêncio, tendem a reduzir ao mínimo as chances de punição para ambos. Mas cada um também enfrenta a tentação de sair livre, depois de empurrar toda a culpa para o vizinho.
Neste primeiro momento, a maioria dos bolsonaristas parece ter optado pela alternativa do silêncio. Mas é improvável que essa situação se mantenha. Se a decisão já não é fácil de tomar quando são apenas dois investigados, como levar em conta todas as variáveis num caso como este, em que mais de duas dúzias de aloprados está na mira da PF?
Pior ainda, uma delação já aconteceu, a do antigo braço-direito de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Os investigadores também coletaram vários outros tipos de prova em diligências. Ninguém sabe em que medida está exposto neste momento. Será que cada um vai tentar salvar a própria pele? Ou será que os bolsonaristas de alto coturno, como os mafiosos, mostrarão valorizar a lealdade acima de tudo?
Não há delação para baixo
A situação de Bolsonaro é peculiar. Ele se calou nesta quinta-feira alegando que não teve acesso a todos o material recolhido pelos investigadores, sobretudo a íntegra da colaboração premiada de Mauro Cid. O ex-presidente quer fazer crer que sua defesa está sendo cerceada.
Pode colar com apoiadores que já lavaram a camiseta verde e amarela para comparecer à manifestação “pró-mito” neste domingo, 25, mas é lero-lero. Há uma jurisprudência muito antiga nos tribunais dizendo que não existe obrigação de compartilhar provas integralmente com quem ainda não está sendo processado – e Bolsonaro ainda não sofreu denúncia do Ministério Público.
Supondo que ex-presidente se torne réu, no entanto, ele vai continuar com a boca fechada? Deveria. Como ele era o chefão da coisa toda e principal beneficiário de uma manobra que, ao que tudo indica, pretendia mantê-lo no poder, não obterá vantagens denunciando subordinados. A questão, portanto, é quanto estaria disposto a arcar com o gigantesco BO da trama golpista.
Espetáculo
A esta altura dos acontecimentos, só quem abdicou de qualquer compromisso com a realidade ainda nega que um plano de subversão da democracia foi tecido no entorno de Bolsonaro. Mas faltam peças para configurar com absoluta solidez jurídica os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Falta, principalmente, estabelecer o vínculo definitivo entre toda a fervura nos redutos do bolsonarismo e o vandalismo do 8 de Janeiro.
A polícia continua cavando e talvez chegue às provas sozinha. Mas pode ser também que algum dos bolsonaristas resolva dar a sua própria solução para o dilema do prisioneiro. O desfecho seria o mesmo nos dois casos. Mas o espetáculo seria maior no segundo.
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