“PF do Xandão” expôs conversa entre empresário e advogado
A PF quebrou o sigilo entre cliente e advogado ao concluir o inquérito sobre a ofensa proferida pelo empresário Roberto Mantovani Filho ao filho do ministro do STF
Ao concluir o inquérito sobre a ofensa proferida pelo empresário Roberto Mantovani Filho ao filho do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal quebrou o sigilo da conversa entre o investigado e seu advogado Ralph Tórtima.
No relatório encaminhado ao ministro Dias Toffoli, do STF, os investigadores expuseram as tratativas de Roberto com seu advogado:
“Por meio de mensagens de WhatsApp o advogado orientou ROBERTO a não falar com a imprensa. Escreveu que ‘eles são muito habilidosos e distorcem as palavras’. O advogado solicitou a ROBERTO um relato completo do que teria ocorrido no Aeroporto de Roma e que avaliaria a elaboração de uma nota para a imprensa. ROBERTO perguntou se o relatório poderia ser enviado pelo seu próprio celular, ao que o advogado orientou: ‘Prefiro que seja de outro celular. De nenhum dos três’, referindo-se aos celulares de ANDREIA MUNARÃO e de ALEX ZANATTA BIGNOTTO, que estavam juntos com ROBERTO quando do entrevero ocorrido na capital italiana.”
“A certa altura da troca de mensagens de WhatsApp ROBERTO enviou um vídeo para o advogado RALPH, no qual o ministro ALEXANDRE DE MORAES aparece adentrando um veículo e sendo hostilizado por pessoas próximas dele. ROBERTO informou que recebeu o arquivo e perguntou ao causídico se tal vídeo seria verdade. O advogado informou que não poderia afirmar que a filmagem teria sido feita na Itália, mas que provavelmente não.”
“Em seguida, ROBERTO perguntou se poderia falar com os jornalistas sobre a nota que publicariam e o advogado respondeu: ‘Prefiro que não revele a nossa estratégia. Pode passar o meu contato. Neste primeiro momento apenas direi que vou me inteirar do caso… Aí elaboramos a nota e depois enviamos. Claro, com a concordância de vocês com o conteúdo dela’.”
Segundo o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, a sigilo profissional é “inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.”
“Presumem-se confidenciais as comunicações epistolares entre advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros“, acrescenta.
Ralph Tórtima, o advogado, disse a OAntagonista que já pediu o desentranhamento da conversa mantida com seu cliente, pois protegida por sigilo profissional.
“Foram inúmeras as ilegalidades, arbitrariedades, excessos e abusos ao longo dessa investigação, que gerou a criativa conclusão de eventual crime de menor potencial ofensivo, ocorrido no exterior, o que por si só impediria fosse investigado em território nacional. Logo, não me surpreende mais esse repugnante e intencional vazamento, agora de uma conversa profissional inocua, mas protegida por sigilo“, disse o advogado.
Reação
O ex-procurador Deltan Dallagnol afirmou não acreditar na exposição da conversa entre investigado e advogado.
“Ainda sem acreditar que a PF expôs a conversa inteira do investigado com o advogado.
O mundo deveria estar caindo. Onde estão os garantistas?
Isso NUNCA aconteceu na Lava Jato, mas garantistas já conseguiram o que queriam: soltaram todos os seus corruptos de estimação”, escreveu na rede social X, antigo Twitter.
O investigador Enio Viterbo, que é colaborador da Universidade de Coimbra, disse que a exposição da conversa é um “ataque à advocacia”.
“Duas considerações:
1- Se o crime é de injúria real contra o filho do ministro, não existe competência do STF para continuar com o caso.
Parentes de ministros tem foro por prerrogativa de função por tabela? A segunda, e mais grave, é o que tenho apontado: o ataque à advocacia
2- A Polícia Federal, com toda a tranquilidade, expõe o conteúdo da conversa entre o investigado e seu advogado.
Vou repetir: A Polícia Federal apreendeu o telefone do investigado e expôs toda a conversa entre o cliente e advogado.
Sigilo profissional? Prerrogativas? É o ataque”
Horacio Neiva, doutor e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, disse que nunca viu uma operação de busca e apreensão determinada por um tribunal superior em caso de injúria.
“Só para lembrar: houve busca e apreensão, determinadas por um Juízo incompetente, num crime de menor potencial ofensivo e que não resultou sequer em indiciamento. Teve gente que disse que a vítima, nesse caso, era ‘o próprio Estado de Direito’. Tem muita bizarrice na Justiça, mas confesso que nunca vi um caso de busca e apreensão determinada por tribunal superior em caso de injúria.”
O Papo Antagonista –ao contrário da maioria da imprensa, que aderiu cegamente à narrativa de Moraes e endossou a operação de busca e apreensão contra a família hostil ao ministro– tratou o episódio com prudência, criticando a pressa em tirar conclusões antes da análise das imagens, a jurisdição do Supremo sobre pessoas sem foro privilegiado e a tentativa de atribuir a elas o crime de abolição do Estado Democrático de Direito. Relembre aqui.
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