Jerônimo Teixeira na Crusoé: As elites irreais
Um conto de Vladimir Nabokov oferece a imagem perfeita para entender como as castas que nos governam se descolaram da realidade
– Onde fica Sarajevo?
Vladimir Nabokov escreveu Sons em 1923, quando vivia em Berlim. Em russo no original, o conto não foi incluído nas coletâneas que o autor de Lolita publicou em vida. Dimitri Nabokov, filho do escritor russo, traduziu Sons para o inglês e o incluiu nas edições póstumas de Contos Reunidos, volume que traz a ficção breve do Nabokov pai. Neste livro, uma nota de Dimitri informa que Sons é uma “evocação transmutada” de um caso juvenil que autor teve, na Rússia, com uma mulher casada. Esta personagem não é nomeada no texto, mas deve ter sido, ainda segundo a nota, uma prima de Nabokov, chamada Tatiana. E é ela quem faz a singela pergunta transcrita acima.
Narrado em primeira pessoa pelo jovem amante, o conto não informa a data dos eventos relatados. Mas Sarajevo aparece no jornal russo que a mulher casada lê na casa de um professor que a convidou para tomar chá. Isso permite saber que a história se passa em 1914: o jornal está noticiando o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro presuntivo do Império Austro-Húngaro.
A pergunta da mulher é casual, desinteressada: ela não percebe qualquer sinal de perigo nos eventos ocorridos em Sarajevo. A personagem atravessa todo o conto segura de sua posição como senhora em uma propriedade rural cujos muitos criados fazem de conta que não veem as escapadas extraconjugais da patroa. Para ser justo, ela não teria como prever que a morte do arquiduque seria o estopim da I Guerra Mundial, ou que a revolução bolchevique eclodiria no meio desse conflito.
O jovem amante está encantado pela mulher, mas não deixa de notar suas atitudes antipáticas. Ela trata com um distanciamento entediado o professor que a recebeu para o chá (e que tem uma evidente queda por ela).
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