Ozempic pode engordar economia do Brasil
Produção genérica do revolucionário emagrecedor promete aumentar a concorrência, baratear os preços e turbinar o consumo
O Brasil disputa com os EUA, a China, o Canadá e, claro, a própria Dinamarca, a produção do medicamento mais lucrativo do mundo – o Ozempic (semaglutida), cuja patente está sob discussão desde que a notícia de que a dinamarquesa Novo Nordisk, empresa que produz o emagrecedor, perdeu seus direitos no Canadá – pela falta de pagamento de uma irrisória taxa de manutenção.
A empresa soube (ou não pode) se justificar. Derek Lowe, diretor de Biologia Química e Terapêuticas do laboratório Novartis, e influente comentarista da indústria, abriu a discussão do caso, chamando-o de “Erro Canadense” (“Novo Nordisk’s Canadian Mistake”). Lowe, em seu blog “In the Pipeline”, chegou a confrontar declarações de Richard Saynor, CEO da Sandoz, que havia afirmado que a patente da semaglutida jamais fora solicitada no Canadá.
Documentos apresentados por Lowe comprovaram o pedido de patente, mas também a justificativa do indeferimento: a falta de pagamento de taxas anuais desde 2018. A falta de um posicionamento da fabricante deixa margem a dúvidas sobre a transparência do processo. Esse episódio revela a complexa interconexão entre empresas como Novo Nordisk, Novartis e Sandoz, que, por vezes, atuam em lados opostos em disputas judiciais.
A perda da patente canadense abre caminho para a produção de genéricos, inclusive pela Sandoz, que era uma divisão da Novartis até 2023. Nos Estados Unidos, a instabilidade gerada pode favorecer a entrada de compradores de Ozempic genérico canadense, com preços até 70% mais baixos, em resposta às duras críticas do governo americano sobre os altos custos e à intimação do ex-CEO da Novo Nordisk no Congresso. Na Dinamarca, país de origem da Novo Nordisk, o episódio canadense expôs vulnerabilidades e afastou investidores.
Um dos que mais consomem, Brasil também quer produzir
O Brasil representa um dos maiores mercados de GLP-1, com movimentação de R$ 3,7 bilhões apenas pelo Ozempic em 2023. Em 2023, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), fundamentado em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), negou os pedidos da Novo Nordisk para extensão das patentes da semaglutida (Ozempic e Rybelsus), fixando sua expiração para março de 2026.
Essa decisão desencadeou uma série de batalhas judiciais pelos limites do monopólio, onde vitórias parciais ou temporárias resultam em ganhos financeiros significativos. O lançamento de um medicamento genérico, enquanto a patente estiver sub judice, representa um risco substancial para as empresas concorrentes.
A farmacêutica brasileira EMS experimentou essa complexidade ao lançar um medicamento à base de liraglutida pouco antes de a Novo Nordisk, em uma batalha judicial, recuperar a patente da substância até 2033. Posteriormente, a EMS conseguiu reverter a situação por meio de uma liminar, exemplificando a natureza contínua dos recursos e das acusações de litigância de má-fé, que perduram até uma decisão final do STF.
A disputa pelo mercado brasileiro se intensifica com a preparação de farmacêuticas nacionais. A Biomm, em parceria com a indiana Biocon, já inaugurou uma unidade de produção em Nova Lima (MG) para sua versão da semaglutida, que chegará ao mercado com a expiração da patente. A Novo Nordisk, por sua vez, anunciou investimentos de R$ 6,4 bilhões na expansão de sua fábrica em Montes Claros (MG), com previsão de inauguração em 2028. Outros laboratórios nacionais, como EMS, Hypera e Cimed, também se preparam para a concorrência, com apoio financeiro do BNDES.
No entanto, em agosto de 2025, a Comissão de Incorporação de Inovações Tecnológicas (CONITEC), do Ministério da Saúde, emitiu um parecer negativo para a incorporação da liraglutida e semaglutida no Sistema Único de Saúde (SUS), devido ao baixo custo-efetividade.
A China se oferece como um provável parceiro. Com a expiração da patente chinesa em 2026, o país, que já produz semaglutida em pó a custos significativamente baixos, testa cerca de 60 substâncias rivais do Ozempic. Companhias chinesas preparam-se para lançar seu genérico de Ozempic no mercado americano, promovendo maior competitividade e preços reduzidos.
Segundo Carlos Roberto Oliveira, pesquisador em Direito Biomédico e professor da UNIRIO, a entrada de empresas chinesas no Brasil após 2026 aumentará a concorrência e reduzirá os preços dos medicamentos: “Na mesa, fica a questão da manutenção do espírito da sentença do Supremo Tribunal Federal que vai ao encontro dos interesses da sociedade, ao gerar uma maior economia do Sistema Único de Saúde na compra de medicamentos”.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)