O visível, o invisível e a questão dos combustíveis
O governo decidiu voltar a cobrar os impostos federais que incidem sobre a gasolina e o etanol. As alíquotas devem ser anunciadas hoje, mas já se sabe que a paulada não virá toda de uma vez – haverá um escalonamento no retorno da cobrança – e será mais forte na gasolina do que no biocombustível. A medida tem efeitos visíveis e invisíveis...
O governo decidiu voltar a cobrar os impostos federais que incidem sobre a gasolina e o etanol. As alíquotas devem ser anunciadas hoje, mas já se sabe que a paulada não virá toda de uma vez — haverá um escalonamento no retorno da cobrança — e será mais forte na gasolina do que no biocombustível. A medida tem efeitos visíveis e invisíveis. Seu custo político final vai depender da capacidade do governo de explicitar esses últimos. Se Lula gastar nessa tarefa a mesma energia que gastou nos seus ataques ao Banco Central, uma causa ruim, talvez consiga reduzir os danos de imagem causados por essa decisão que, no fundo, tem méritos.
O mais visível nessa história, obviamente, é o preço estampado nas placas dos postos de combustível. Ele vai subir. Isso vale inclusive para o diesel: embora continue com alíquotas zeradas até o final do ano, o combustível que abastece caminhões e ônibus leva etanol na sua composição e por isso não vai escapar de algum aumento. Como Jair Bolsonaro foi o responsável pelo corte dos impostos no ano passado e fez isso com bastante alarde, a reoneração aparece desde logo como uma maldade causada por Lula. A oposição já está batendo forte nessa tecla.
A segunda coisa visível é que Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, foi poupado de uma derrota. Sua pasta vinha defendendo o retorno da tributação desde o ano passado. Haddad perdeu o primeiro round, porque Lula não quis começar o ano falando de aumento nos combustíveis. Se perdesse agora também, ficaria desmoralizado com menos de dois meses na cadeira. Seria aquele ministro que mexe com números e não leva uma, quando confrontado pela ala do governo que só pensa em política.
Vamos agora às coisas invisíveis — aquelas que não se traduzem imediatamente em um preço e demandam alguma abstração para serem percebidas.
Uma delas é a relação entre a cobrança dos impostos e a situação das contas públicas. Aqui, não pode pairar um fiapo de dúvida de que a reoneração dos combustíveis reflete uma preocupação do governo com o problema fiscal. O PT tem fama — justificadíssima — de gastador contumaz. Se ficar a impressão que a volta dos tributos é um artifício para dar alguns bilhões a mais para o Lula esbanjar, a confiança na política econômica, que já não é essas coisas, escorre de vez pelo ralo.
Também é preciso explicar que o Brasil não é um país que possa se dar ao luxo de subsidiar o consumo de um produto como gasolina. Pois gasolina não é algo que toda a população utiliza. A maioria dos brasileiros, que usa sola de sapato e transporte público para se locomover no dia a dia, não se beneficia quando o preço desse combustível é subsidiado. Pelo contrário, os mais pobres, que não têm carro, acabam pagando para aliviar o bolso de quem tem.
Incentivar o uso de um combustível poluente, quando a palavra de ordem no mundo todo é investir em energias renováveis, tampouco é boa ideia. Esse é um assunto sobre o qual Bolsonaro não disse uma palavra sequer no ano passado, quando o preço do petróleo aumentava de semana para semana. Fosse qual fosse a sua política para os impostos, a oportunidade de ser pedagógico sobre a questão do ambiente e dos combustíveis fósseis não deveria ter sido perdida. A decisão do governo atual de usar uma alíquota maior para a gasolina e menor para o etanol aponta na direção correta. Mas não adianta fazer sem falar sobre o assunto, bastante e de forma didática.
O efeito invisível mais importante é a inflação. Como algum aumento do diesel vai ocorrer, e um custo maior nos transportes acaba se refletindo nos preços de quase tudo, provavelmente haverá, daqui a pouco, um repique inflacionário causado pelas decisões desta segunda-feira. Seria menos preocupante se Lula, assim como Dilma em seus mandatos, não parecesse achar que “um pouco mais de inflação” não faz mal a ninguém. Esse mesmo raciocínio está por trás da cruzada contra a taxa de juros e o presidente do Banco Central. Esse é o momento, portanto, de forçar o governo a ser claro sobre seu compromisso com o controle da inflação. Lula quer encher o tanque e sair por aí na motociata festiva de um crescimento econômico rápido. O custo do crescimento não pode ser uma inflação desgovernada.
A reoneração da gasolina pelos tributos federais é socialmente justa, ambientalmente correta e economicamente adequada se servir para reduzir o endividamento público. Mas a responsabilidade por seu efeito inflacionário precisa ser cobrada do governo, para que ele não se sinta à vontade para tomar outras medidas que vão pelo mesmo caminho — o do brejo.
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