O retrocesso planejado
Frédéric Bastiat nasceu em 1801 em uma França revolucionária, comandada por Napoleão Bonaparte, e a despeito do cenário conturbado em seu país, cresceu tornando-se um dos mais proeminentes jornalistas econômicos da Europa. Como Joseph Schumpeter registraria anos mais tarde, Bastiat foi o primeiro a abordar um importante conceito econômico, o "custo de oportunidade", em sua obra "Ce qu'on voit et ce qu'on ne voit pas" (o que se vê e o que não se vê). Coube a ele também registrar a parábola da janela quebrada, além da ficcional petição dos fabricantes de vela, revoltados com o sol que provia iluminação gratuita, afetando seus negócios...
Frédéric Bastiat nasceu em 1801 em uma França revolucionária, comandada por Napoleão Bonaparte, e a despeito do cenário conturbado em seu país, cresceu tornando-se um dos mais proeminentes jornalistas econômicos da Europa. Como Joseph Schumpeter registraria anos mais tarde, Bastiat foi o primeiro a abordar um importante conceito econômico, o “custo de oportunidade”, em sua obra “Ce qu’on voit et ce qu’on ne voit pas” (o que se vê e o que não se vê). Coube a ele também registrar a parábola da janela quebrada, além da ficcional petição dos fabricantes de vela, revoltados com o sol que provia iluminação gratuita, afetando seus negócios.
Os quase 2 séculos que separam as obras de Bastiat e o Brasil do século 21, porém, parecem minúsculos na medida em que compreendemos seus conceitos e teorias. Imagine, por exemplo, que durante anos adotamos por aqui uma estratégia para desenvolver uma indústria local, subsidiando diversos setores, com bilhões em recursos públicos, crédito subsidiado e legislações. Da indústria automotiva a indústria naval, nos tornamos um país obcecado com o subsídios e com a lógica de desenvolvermos setores econômicos na base da canetada. E as razões para isso são mais do que evidentes. Inaugurar grandes fábricas, estaleiros e obras é algo que agrada qualquer político. É fácil ligar a instalação de uma montadora a um governante e atribuir-lhe o mérito pelo feito.
Isso é o que Bastiat descrevia como “O que se vê”. Já o que “não se vê”, é algo complexo, invisível aos olhos e difícil de rastrear.
Como Rafael Vasconcellos da FGV aponta neste estudo aqui, a má alocação de capital custa ao Brasil uma verdadeira fortuna. Chamada de “misallocation”, a construção de projetos considerados ineficientes, os gastos para manter tais projetos e investimentos feitos sob incentivo de crédito subsidiado, se corrigidos, poderiam tornar a indústria brasileira 146% mais produtiva. Na China e Índia, este número gira em torno de 50%, enquanto nos Estados Unidos é menor do que 30%. Em outras tantas áreas vemos essa ineficiência planejada funcionar. No setor logístico, por exemplo, o Brasil gasta 12% do PIB ao ano, contra menos de 8% dos EUA e China. A diferença significa dizer que gastamos para transportar nossa produção por volta de R$300 bilhões a mais por ano do que deveríamos. Dinheiro que deixa de ser empregado em algo que agregue mais bem-estar às famílias.
Em outro ponto, ainda mais chocante, um estudo realizado pelos pesquisadores do Insper Rodrigo Soares e Guilherme Hirata, aponta que uma redução média de 10,3% nas tarifas de importação brasileiras na primeira metade dos anos 90, levou a uma queda de 18% na desigualdade salarial entre brancos e negros. Em suma, maior concorrência, melhores incentivos na alocação de recursos e regras mais simples, poderiam tornar o Brasil um país mais rico e menos desigual. Parece simples e óbvio, mas é o exato oposto do que construímos ao longo da nossa história.
Somos hoje o 7o país mais desigual do planeta, e ao contrário do que adoram dizer os fãs de Margaret Thatcher, desigualdade pode sim ser um problema. E no Brasil, com toda certeza é.
Somos um país que planeja desigualdade.
Não é coincidência que sejamos o único país do mundo a ter uma hiperinflação (uma inflação superior a 50% ao mês), sem termos tido uma guerra, como a Alemanha de Weimar, ou Grécia e Hungria pós Segunda Guerra. Por aqui, chegamos a ter uma taxa de inflação superior a 21 trilhões nos 15 anos que antecedem o plano real. E tal prática está diretamente associada à irresponsabilidade do governo. Vimos um milagre econômico, mas não vimos alguns mecanismos perversos por trás. Dois mecanismos em específico ajudam a explicar este caos. A conta movimento, um mecanismo no qual os bancos públicos financiavam gastos públicos via empréstimos, e a indexação. A inflação de um ano servia de base para corrigir os preços do outro.
O resultado é que, ao contrário da classe média que podia se proteger usando o sistema financeiro, os desbancarizados brasileiros foram espoliados via imposto inflacionário por décadas. A inflação foi o mais cruel meio de tortura legado pela ditadura brasileira, e acabou após um plano focado quase que integralmente em um princípio: responsabilidade fiscal. É difícil imaginar como um orçamento público equilibrado pode resultar em pessoas mais ricas, mas este é exatamente o caso do Plano Real. Na medida em que as contas públicas foram reorganizadas e se tornaram previsíveis, os custos com o imposto inflacionário saíram de 6% do PIB em 1993, para menos de 0,5% em 1995.
Toda essa diferença ficou principalmente com a parcela mais pobre do país, que não utilizava overnight para se proteger da inflação. Os anos seguintes reforçaram ainda mais a necessidade de se ter um orçamento equilibrado. Alguns estados, viciados em se financiar via crédito de bancos públicos, passaram a enfrentar problemas, como é o caso do Rio Grande Do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Esse desequilíbrio demorou a ser combatido, e muitos deles ainda persistem. No RS, por exemplo, de cada R$100 gastos com segurança, cerca de R$65 são destinados a pagar aposentadorias e pensões de policiais militares. Como então defender que se afrouxe a reforma da previdência? Era a ideia do candidato derrotado nas eleições. Por sorte, não irá pra frente.
A nível federal, porém, esse entendimento sobre relevância de responsabilidade fiscal não parece contar com a sorte. O novo governo espera poder gastar mais, em um momento onde os juros estão em alta e o crescimento em baixa. Seguindo as pretensões da equipe econômica do candidato vitorioso, podemos voltar aquele modelo econômico pautado pelo que se vê, os grandes estaleiros e obras, e pouco, ou nenhum avanço, sobre o que não se vê, como o impacto de marcos regulatórios e regras mais claras. Apenas com a PEC da Transição, também conhecida como a “PEC Argentina”, o governo pode reverter a trajetória de gasto público, levando o país a voltar a ter déficits nas contas públicas.
A consequência difícil de se ver, mas que está lá, é a irredutibilidade dos juros.
Com o governo gastando mais, é difícil reduzir os juros, dado que a demanda de recursos para financiar o próprio governo estará em alta. Se há maior demanda por dinheiro, o seu preço fica mais caro. Oferta e demanda pura e simples. E este cenário leva a algo que já conhecemos bem. Juros em alta são um impeditivo para investimentos. É difícil construir projetos cujo retorno seja maior do que a taxa paga pelo governo para quem comprar seus títulos. Para piorar, o governo sabe disso, e por isso aposta em crédito subsidiado. O Itaú BBA estima que os bancos públicos poderiam hoje emprestar R$2 trilhões a mais, a maior parte em crédito subsidiado.
Resumo da ópera: o governo pretende gastar mais, sob a desculpa de favorecer gastos sociais, o que por sua vez mantém os juros em alta, afastando investimentos produtivos. Isso deve ser contornado por crédito subsidiado, que favorece investimentos ruins, o que torna o país mais pobre ao longo do tempo, graças ao custo de financiar projetos ineficientes. A irresponsabilidade do governo, porém, não tira votos. E este é o grande dilema ao qual o Brasil parece estar disposto a se sujeitar novamente. Como escreveu certa vez Nelson Rodrigues, “subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. Algo que sabemos bem.
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