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O perigo é Lula virar o Polo Democrático

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7 minutos de leitura 02.04.2021 18:47 comentários
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O perigo é Lula virar o Polo Democrático

Polo Democrático, Polo Democrático... Quando é que ouvimos falar em Polo Democrático da última vez? Ah, foi em meados de 2018, quando Fernando Henrique Cardoso colocou o seu bloco dos sem-votos na rua para evitar que a disputa final na eleição presidencial daquele ano fosse entre Jair Bolsonaro e... Ciro Gomes. Que curiosamente está no Polo Democrático deste ano, ao lado de Luiz Henrique Mandetta, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo, Luciano Huck e Sergio Moro...

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O perigo é Lula virar o Polo Democrático
Foto: Ricardo Stuckert/via Fotos Públicas

Polo Democrático, Polo democrático… Quando é que ouvimos falar em Polo Democrático da última vez? Ah, sim, foi em meados de 2018, quando Fernando Henrique Cardoso colocou o seu bloco dos sem-votos na rua para evitar que a disputa final na eleição presidencial daquele ano fosse entre Jair Bolsonaro e… Ciro Gomes. Que curiosamente está no Polo Democrático deste ano, ao lado de Luiz Henrique Mandetta, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo, Luciano Huck e Sergio Moro.

O cenário do Polo Democrático 2018, que se dizia também “e Reformista”, não contava com um Lula competitivo nem previa que o seu poste pudesse ir tão longe na disputa que ocorreria dali a alguns meses. O PT era visto como carta fora do baralho extremista no segundo turno. O adversário principal era Bolsonaro, mas Ciro causava igualmente arrepios. A posição do Polo Democrático 2018 ficou clara pela declaração de Fernando Henrique Cardoso a jornalistas. Perguntaram em quem ele votaria no segundo turno, se os oponentes fossem o ex-capitão e o coronel cearense (os termos são meus, não dos repórteres). O ex-presidente tucano respondeu: “Eu não votaria por nem um nem por outro. No Bolsonaro, eu não voto”. Ou seja, no segundo turno, sempre caberia um Ciro Gomes no Polo Democrático 2018.

No modelo 2021/2022 do Polo Democrático, Ciro Gomes já dá as caras. Há uma evidente relação simbiótica nesse caso: o atual Polo Democrático precisa de um verniz mais forte de esquerda, que no de 2018 era fornecido por Marina Silva, enquanto Ciro Gomes agora necessita de um verniz de centro. Porque todo Polo Democrático que se preze é de centro (com uma camadinha de esquerda), o que é mais ou menos como a terceira margem do rio do conto de Guimarães Rosa.

Em 2018, Ciro tentou cooptar o PT para uma chapa da qual ele seria o cabeça e o poste de Lula, o vice. Lula queria que fosse o contrário. A esquerda até hoje acredita que, se o chefão petista tivesse aceitado a oferta do coronel cearense, a esquerda teria sido capaz de derrotar Bolsonaro. Em 2022, ambos continuam a não arredar o pé de serem protagonistas na campanha presidencial. Ciro ataca Lula e o PT com a habitual virulência; Lula faz referências irônicas a Ciro, sem fechar portas. Cada um a seu modo, os dois sabem que não existem inimigos em política.

No Polo Democrático modelo 2021/2022, Ciro permanece querendo ser o cabeça de chapa. O que deve acontecer é que, depois de aplicar em si mesmo uma ou duas camadas de verniz de centro, o coronel cearense vai deixar o grupo e ter pretexto para dizer: “olhem como sou de centro, só que um tantinho à esquerda” ou, a depender do jogo, “olhem como sou de esquerda, só que um tantinho de centro”. O fato de Ciro constar neste momento do Polo Democrático modelo 2021/2022 faz muita gente se perguntar se polo não é sinônimo de um saco de gatos a ser atropelado por uma retroescavadeira. Quanto a Lula, ele está magoado porque não foi convidado pelo Polo Democrático modelo 2021-2022 para assinar o manifesto em defesa da democracia. Mas, em primeiro lugar, como poderia o ex-condenado por Sergio Moro assinar um manifesto que, se não traz a assinatura do ex-juiz, é de um grupo que ele integra? Em segundo lugar, como Lula poderia ser signatário de um manifesto que é contra o petista, além de Bolsonaro? Em relação ao Polo Democrático 2018, Ciro passou a ser desse centro expandido (por enquanto) e Lula está onde estava: num dos extremos.

Ninguém subestime, contudo, o chefão petista (ou superestime o eleitorado brasileiro). Se não pode ser do Polo Democrático modelo 2021/2022, Lula tentará ser de centro de outra maneira. Como revelou a Crusoé na semana passada, ele mantém conversas estratégicas, inclusive com o dono de um dos maiores bancos brasileiros, vendendo outra vez o mesmo carro velho de amigo do mercado. Além disso, voltou ao modo Lulinha Paz e Amor e até aliciou quem posava de adversário histórico, tanto na imprensa como alhures. Ele poderá contar com o apoio dos tucanos e adjacências que incluem o DEM, o PMDB e boa parte do Centrão, que o veem com a realidade despida de qualquer hagiologia: um homem desse sistema, por assim dizer, pragmático que nos trouxe como país até aqui, e mais aceitável como companheiro de grandes empreitadas, também por assim dizer, do que João Doria, por exemplo, considerado muito fominha.

Todos os signatários do Polo Democrático modelo 2021/2022 são potenciais candidatos a presidente da República. A intenção é mostrar que estão dispostos a unir-se em torno de uma candidatura única contra Bolsonaro e Lula. Ciro é a exceção manifesta e é duvidoso que deixará de ser perdedor nato. Quanto aos outros, Luiz Henrique Mandetta parece ser o mais viável neste momento. O único capaz de ombrear com ele é Sergio Moro, a acreditar nas pesquisas divulgadas até o momento. O ex-juiz ainda goza de grande popularidade, mas o seu apetite pelo poder não se afigura suficiente — e a direita bolsonarista, Centrão, ministros do STF e Lula vêm se dedicando a tentar destruir a sua reputação embaralhando lorotas de diferentes sabores, como a de traidor da pátria, a de magistrado parcial do ex-condenado inocente de toda a porcariada feita na Petrobras e a de personagem autoritário que criminalizou a política. Difícil aguentar essa barra sem estômago de avestruz político. Luiz Henrique Mandetta tem como ativo a sua atuação na pandemia (e aquele pezinho no Centrão). Foi o ministro da obviedade num país nada óbvio. Resta saber se, no final de 2022, a pandemia será uma lembrança que começará a empalidecer. Desculpe, Mandetta, nada pessoal, mas espero que sim, fora de qualquer cálculo eleitoral. Quanto a Luciano Huck, ele terá de ralar bastante para se livrar da pecha de “candidato da Rede Globo”. Os brasileiros amam odiar a emissora que eles amam sintonizar. De qualquer forma, o apresentador tem um dilema que julgo extravagante: está entre ser candidato ao Planalto ou sucessor de Faustão no programa de domingo.

Se o Polo Democrático modelo 2021/2022 não lançar um candidato viável a tempo de ser trabalhado eleitoralmente, o perigo é Lula virar o candidato de centro contra Bolsonaro, transmutando-se em Polo Democrático. Como disse, ele está trabalhando para isso. E, ironia, se tudo der certo para o chefão petista, poderemos assistir à maioria dos signatários do manifesto, talvez com a exceção de Sergio Moro e João Amoêdo (coitado do Amoêdo), apoiando Lula no segundo turno ou bancando o isentão porque, sabe como é, no Brasil ainda se acredita que um extremo é mais centro do que outro. A terceira margem do rio se revelaria, então, finalmente uma miragem. “Eu não votaria por nem um nem por outro. No Bolsonaro, eu não voto”, para repetir a frase de Fernando Henrique Cardoso nos tempos do Polo Democrático 2018.

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