O país da mordaça
Guerrilheiros de centro acadêmico impediram Deltan Dallagnol de realizar uma palestra na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, na sexta-feira, 17. Eles diziam que, se necessário, expulsariam o ex-procurador e ex-deputado federal do local...
Guerrilheiros de centro acadêmico impediram Deltan Dallagnol de realizar uma palestra na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, na sexta-feira, 17. Eles diziam que, se necessário, expulsariam o ex-procurador e ex-deputado federal do local. A direção da faculdade alegou o risco de tumulto em um prédio histórico para cancelar o evento. Poderia ter montado um esquema de segurança para garantir que o convidado falasse, mas em vez disso cedeu covardemente aos brucutus autoritários que desejam que a universidade seja lugar para uma ideia só – a deles. Perdeu a liberdade de expressão, venceu a truculência.
O governo de Santa Catarina, encabeçado pelo bolsonarista Jorginho Mello (PL- foto), mandou retirar nove livros das bibliotecas escolares do estado. Disse que as leituras oferecidas aos alunos precisam ter adequação etária, mas não explicou quais critérios foram usados para enterrar num depósito clássicos como Laranja Mecânica, do inglês Anthony Burgess. Devem ser os suspeitos de sempre: medo que uma cena de sexo, uma ideia política ou uma crítica religiosa encontradas nas páginas de um livro transformem para sempre um menino ou uma menina em “pessoas-não-de-bem”. Deve ser o objetivo de sempre: proteger “a” família. Imagine duas casas. Na primeira, papai e mamãe querem que Joãozinho cresça exatamente igual a eles. Na segunda, papai e mamãe não têm medo de que Mariazinha encontre alguma ideia diferente nos livros que lê. Para o governo de Santa Catarina, a primeira família precisa ser protegida pelo Estado. A segunda, se for para usar bibliotecas públicas, não tem direito de existir.
E por falar em Santa Catarina, uma juíza de Florianópolis condenou uma jornalista a seis meses de detenção em regime aberto e a indenizações no total de R$ 400 mil, a serem pagas a um juiz e um promotor, por causa de uma reportagem sobre um julgamento de abuso sexual que acabou em absolvição. O caso ganhou repercussão porque o advogado de defesa se sentiu muito à vontade para humilhar a jovem que dizia ter sido estuprada por seu cliente. O promotor, por sua vez, ponderou que o homem não tinha como saber que a mulher não estava em condições de consentir na relação sexual. A jornalista usou a expressão “estupro culposo”, entre aspas, para descrever essa tese, com óbvio intuito irônico e crítico. A sentença que a condenou faz as mesuras de sempre à liberdade jornalística, dizendo que ela tem “preferência no Estado democrático brasileiro”, para em seguida acrescentar um “mas” e destroçá-la: proteger a honra de funcionários públicos como juízes e promotores, com pena de prisão e multas pesadas, é muito mais importante do que discutir às claras a maneira como a Justiça trabalha no Brasil. Decisões judiciais como essa tendem a produzir aquele célebre efeito paralisante sobre a imprensa: não mexa com quem tem o poder do Estado nas mãos, porque a resposta pode ser devastadora.
No começo de novembro, o sociólogo Richard Miskolci, professor da Unifesb, foi declarado “persona non grata no âmbito epistemológico e ético do transfeminismo brasileiro”. A fatwa foi decretada por gente do mundo acadêmico que achou inaceitáveis críticas feitas por Miskolci a um dos conceitos centrais das teorias trans, a de “cisgeneridade”. Segundo essas pessoas, o sociólogo foi culpado de exercer “violência epistemológica” e por isso precisava de… Refutação? Não sejamos ingênuos. Precisava de punição drástica: banimento e mordaça.
A censura está em toda parte no Brasil. Vem do Judiciário, do Estado, das milícias da virtude à direita e à esquerda. Será que algum dia chegaremos ao século 18?
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