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O email do procurador à procura de autor

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Mario Sabino
5 minutos de leitura 11.02.2022 17:31 comentários
Opinião

O email do procurador à procura de autor

Na Crusoé desta semana, uma reportagem sobre o que ocorre no Tribunal de Contas da União, TCU, pergunta cadê Gilmar Mendes. O ministro garantista do STF, tão eloquente na defesa do estado de Direito, ainda não deu um pio -- e não se sabe se dará -- sobre a arbitrariedade em curso no tribunal contra o pré-candidato a presidente da República Sergio Moro, pelas mãos de Bruno Dantas, coincidentemente ligado a Gilmar Mendes, e Lucas Furtado (foto), procurador à procura de autor, que chegou ao cúmulo de pedir o bloqueio dos bens do pré-candidato, como se Sergio Moro tivesse cometido uma ilegalidade contra os cofres públicos, ao receber salário de uma empresa americana. A maçaroca jurídica o acusa do nada de sonegação fiscal e de ter condenado a Odebrecht de maneira cavilosa...

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Mario Sabino
5 minutos de leitura 11.02.2022 17:31 comentários 0
O email do procurador à procura de autor
Foto: TCU

Na Crusoé desta semana, uma reportagem sobre o que ocorre no Tribunal de Contas da União, TCU, pergunta cadê Gilmar Mendes. O ministro garantista do STF, tão eloquente na defesa do estado de Direito, ainda não deu um pio — e não se sabe se dará — sobre a arbitrariedade em curso no tribunal contra o pré-candidato a presidente da República Sergio Moro, pelas mãos de Bruno Dantas, coincidentemente ligado a Gilmar Mendes, e Lucas Furtado (foto), procurador à procura de autor, que chegou ao cúmulo de pedir o bloqueio dos bens do pré-candidato, como se Sergio Moro tivesse cometido uma ilegalidade contra os cofres públicos, ao receber salário de uma empresa americana. A maçaroca jurídica o acusa do nada de sonegação fiscal e de ter condenado a Odebrecht de maneira cavilosa, em episódio de conflito de interesses, para que a mesma empresa americana pudesse cuidar da recuperação judicial da empreiteira, embora ela tivesse sido escolhida lá atrás por outro juiz e Sergio Moro não tivesse nada a ver com esse trabalho, enquanto esteve contratado. Em artigo publicado em 8 de fevereiro, eu também perguntei retoricamente onde estavam os loquazes defensores do Estado de Direito, que não levantavam a voz contra esse caso escabroso, e concluí da seguinte forma:

“O apoio — silencioso ou barulhento — a essa malandragem no TCU despiu de vez essa gente toda da fantasia de democratas intransigentes. Nunca foram defensores do Estado de Direito coisa nenhuma. São militantes petistas interessados apenas em livrar o seu chefão da cadeia e colocá-lo outra vez no Palácio do Planalto, para felicidade do partido e o mal-estar geral da nação. E contam para isso com o suporte de gente muito graúda interessada em que nada mude para que tudo continue como sempre foi. O Estado de Direito está sendo queimado por charutos de gente embriagada pelo poder (e por vinhos de 30 mil reais a garrafa).”

A imprensa brasileira está tratando do assunto com aquela ligeireza imparcial que lhe é peculiar, como se fosse apenas uma guerrinha interna entre Lucas Furtado e Júlio Marcelo de Oliveira, procurador natural da ação, mas a sua gravidade só faz aumentar, com notícias pingadas aqui e ali. Como publicamos, a revista Veja revelou que Lucas Furtado, procurador à procura de autor, enviou um email em 2 de setembro de 2004, a Erenice Guerra — aquela ministra petista investigada pela Lava Jato, então consultora do Ministério das Minas e Energia — que mostra uma promiscuidade que deveria fazer arrepiar as sobrancelhas de Gilmar Mendes. No email, encontrado durante uma investigação da Polícia Federal em computadores do Palácio Planalto, Lucas Furtado simplesmente anexa o texto de uma representação que ele pretendia encaminhar ao TCU, contra o governo, em assunto relacionado a agências reguladoras. Mais: ele pergunta a Erenice sobre a “conveniência” da sua iniciativa e dispõe-se a aceitar mudanças que eventualmente fossem sugeridas pela destinatária. Basicamente, é um procurador que pede ao alvo de uma denúncia que fique à vontade para mexer na acusação contra ele e até avalie se é mesmo o caso de denunciá-lo. Eis o texto do email transcrito:

“Erenice,

Peço que leia o texto da representação que pretendo encaminhar ao TCU. Tenho certeza de que o tema é da mais alta relevância para as agências e, portanto, para os usuários de serviços públicos e para o governo. Peço, também, que não seja a matéria levada ao conhecimento do diretor-geral da anel antes de eu ter protocolados a representação junto ao Tribunal. Ele poderia entender mal a minha intenção. Aliás, seja absolutamente sincera quanto à necessidade ou conveniência de ser encaminhada a presente representação e fique à vontade para fazer qualquer sugestão de nova redação para o texto, seja para incluir nova redação, seja para excluir partes dele.

Grande abraço, 

Luca Furtado”

Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato foram acusados de agir politicamente, durante a operação, e seus detratores usaram mensagens roubadas por hackers para enxovalhar a reputação dos integrantes do Ministério Público e anular as condenações de Lula. Tudo na base na livre interpretação de texto, da descontextualização e de provas que foram produto de crime. Agora, o ex-juiz da Lava Jato é alvo no TCU de um procurador que manda esse tipo de mensagem colhida pela PF (existirão outras como essa?) e de um ministro do tribunal que, entre outros sinais de puro interesse republicano, compareceu ao jantar em homenagem a Lula, organizado pelo clube do vinho e do charuto Prerrogativas.

Não, não é uma guerrinha de procuradores o que está acontecendo no TCU, como tenta fazer acreditar parte da imprensa. O email de Lucas Furtado a Erenice Guerra é mais uma amostra de como é feita a defesa do Estado de Direito no Brasil — e as salsichas. 

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Mario Sabino

Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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