O carro velho vendido por site inconfiável O carro velho vendido por site inconfiável
O Antagonista

O carro velho vendido por site inconfiável

avatar
Mario Sabino
4 minutos de leitura 06.04.2022 16:43 comentários
Opinião

O carro velho vendido por site inconfiável

Em seminário promovido pelo site JOTA, na segunda-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (foto), afirmou que as eleições deste ano podem servir como um "plebiscito branco" para a aprovação no ano que vem da mudança do regime presidencialista para o semipresidencialista. "Se amadurecermos o debate, se a discussão ganhar corpo, como eu imagino que aconteça, a gente pode deixar que as eleições funcionem como um plebiscito branco, para que a população encarne ali os deputados e senadores que vão defender esse tema”, disse Arthur Lira...

avatar
Mario Sabino
4 minutos de leitura 06.04.2022 16:43 comentários 0
O carro velho vendido por site inconfiável
Foto: Adriano Machado/Crusoé

Em seminário promovido pelo site JOTA, na segunda-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (foto), afirmou que as eleições deste ano podem servir como um “plebiscito branco” para a aprovação no ano que vem da mudança do regime presidencialista para o semipresidencialista. “Se amadurecermos o debate, se a discussão ganhar corpo, como eu imagino que aconteça, a gente pode deixar que as eleições funcionem como um plebiscito branco, para que a população encarne ali os deputados e senadores que vão defender esse tema”, disse Arthur Lira. O pressuposto é que, como vivemos na prática um “presidencialismo de coalizão”, o negócio seria mudar logo para semipresidencialismo e pronto.

A sugestão foi apoiada por outro participante do seminário, o ministro do STF Gilmar Mendes. Estranho seria se fosse o contrário. Na presidência de Michel Temer, ele ajudou — como “cidadão” — na confecção de um projeto que visava a dar um chapéu na Constituição e mudar o regime político brasileiro para semipresidencialista, sem a realização de um “plebiscito preto no branco”, como deve ser. “Seria uma mera reforma que poderia ser chancelada nas eleições”, disse Gilmar Mendes, ao apoiar o “plebiscito branco” proposto por Arthur Lira.

Basicamente, o “plebiscito branco” não seria plebiscito coisa nenhuma. Os espertos partem do pressuposto de que, se o cidadão votar num senador ou deputado que apoia o semipresidencialismo, isso significa que ele também apoia o semipresidencialismo. Só que ninguém vota em senador ou deputado para mudar o regime político, muito menos quando essa escolha se dá em conjunto com a de presidente e governadores. A mudança, que justamente dará mais poder a deputados e senadores, o que os torna diretamente interessados, precisa ser discutida em separado pela sociedade, cabendo ao cidadão decidir ele próprio sobre o assunto. Em junho do ano passado, abordei o semipresidencialismo num artigo. Escrevi o seguinte:

“Volta e meia discute-se a mudança de regime político no Brasil, para dar fim à instabilidade permanente na qual vivemos. Foi assim com o parlamentarismo, que jamais vingou no Brasil, acostumados que estamos à visão sebastianista de presidente salvador da pátria e porque ele sempre teve cheiro, gosto e textura de golpe, como em 1961, quando se quis impedir que João Goulart fosse presidente de fato. Gostamos de chefes supremos (ou poderosos chefões, como demonstram os últimos anos), não tem jeito. Uma questão é saber se o semipresidencialismo, em vez de nos dar dois chefes complementares, não nos daria dois semichefes, o que é ter chefe nenhum. Os pesos e contrapesos não podem dar margem a dúvidas sobre as respectivas competências. A outra questão é saber como evitar que alianças parlamentares aparentemente sólidas se desmanchem no ar pesado do fisiologismo, levando à queda de bons primeiros-ministros — ou à permanência de maus primeiros-ministros que traiam os princípios que deveriam guiá-los.

A segunda questão conduz necessariamente a uma terceira: dá para ter semipresidencialismo com o tipo de eleição proporcional que privilegia os caciques e as suas escolhas pessoais? Não dá. Seria imprescindível introduzir o voto distrital, a fim de que os partidos ganhassem  representatividade e, assim, o primeiro-ministro a ser escolhido pelos seus pares tivesse legitimidade política e social. Voto distrital que não seja distritão, bem entendido, que é malandragem para beneficiar os oligarcas de sempre.

A discussão sobre mudança de sistema é válida, desde que a sociedade não seja alijada dela e desde que, uma vez consumada a mudança, ele não sirva para maquiar a podridão visível a olho nu. Semipresidencialismo não pode ser carro velho vendido como seminovo.”

É o que continuam tentando fazer com os brasileiros: vender-lhes um carro velho como se fosse seminovo. E sem que os cidadãos possam examinar de perto o carro velho. O “plebiscito branco” seria como a compra, por meio de um site inconfiável, de um veículo reformado às pressas, para que apenas pareça melhor do que é na realidade.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Arrecadação para pai que matou abusador da filha gera milhões

Visualizar notícia
2

Universidade institui investigação após palestra com dança erótica

Visualizar notícia
3

Morte de Sinwar surpreendeu tropas israelenses

Visualizar notícia
4

Crusoé: Como Yahya Sinwar foi eliminado

Visualizar notícia
5

Silvio Almeida enfrenta novas acusações de assédio sexual

Visualizar notícia
6

Padrão Datena: sobrinho de Dilma ameaça cadeirada em Nikolas

Visualizar notícia
7

Atores que espalhavam fake news atuavam em várias cidades do Rio

Visualizar notícia
8

Eleições em SP: pior inimigo de Boulos é ele mesmo

Visualizar notícia
9

Crusoé: A "profunda preocupação" da Rússia com a eliminação de Sinwar

Visualizar notícia
10

Governo Lula fica em silêncio sobre a eliminação do líder do Hamas

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Crusoé: Crônica do fracasso anunciado da esquerda

Visualizar notícia
2

Crusoé: A "profunda preocupação" da Rússia com a eliminação de Sinwar

Visualizar notícia
3

Universidade institui investigação após palestra com dança erótica

Visualizar notícia
4

Governo Lula fica em silêncio sobre a eliminação do líder do Hamas

Visualizar notícia
5

Crusoé: Como Yahya Sinwar foi eliminado

Visualizar notícia
6

PSD de Fuad admite incômodo com apoio de Zema a Engler em BH

Visualizar notícia
7

Hoje é dia de São Lucas evangelista, padroeiro dos médicos

Visualizar notícia
8

Padrão Datena: sobrinho de Dilma ameaça cadeirada em Nikolas

Visualizar notícia
9

Eleições em SP: Ricardo Nunes vai ao debate da Record?

Visualizar notícia
10

Governo de vice de Kamala Harris financia viagens com transgênero para crianças "discutirem gênero"

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Arthur Lira Gilmar Mendes plebiscito branco presidencialismo Semipresidencialismo
< Notícia Anterior

Lira costura acordo para avançar com PL das Fake News

06.04.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Moraes estende inquérito sobre fala de Bolsonaro que ligou vacina contra Covid à Aids

06.04.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Mario Sabino

Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

Suas redes

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Militância virtual de Boulos está tirando sarro de quem reclama do apagão 

Militância virtual de Boulos está tirando sarro de quem reclama do apagão 

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Alexandre Soares na Crusoé: Brasil, né?

Alexandre Soares na Crusoé: Brasil, né?

Visualizar notícia
Jerônimo Teixeira na Crusoé: As mentiras em que o eleitor adora acreditar

Jerônimo Teixeira na Crusoé: As mentiras em que o eleitor adora acreditar

Visualizar notícia
Leonardo Barreto na Crusoé: Quem ganhou as eleições foi o Congresso

Leonardo Barreto na Crusoé: Quem ganhou as eleições foi o Congresso

Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.