Nêumanne Pinto estreia em O Antagonista
Jornalista, poeta e escritor, José Nêumanne Pinto estreia hoje como articulista de O Antagonista, agregando experiência e sensibilidade a um jornalismo combativo e independente. Ganham o site e seus leitores, ávidos de informação de qualidade. Em seu primeiro artigo, Nêumanne discute a efetividade (e moralidade) de programas de transferência de renda, que se tornaram pilar da política social de Lula e Jair Bolsonaro...
Jornalista, poeta e escritor, José Nêumanne Pinto estreia hoje como articulista de O Antagonista, agregando experiência e sensibilidade a um jornalismo combativo e independente. Ganham o site e seus leitores, ávidos de informação de qualidade.
Em seu primeiro artigo, Nêumanne discute a efetividade (e moralidade) de programas de transferência de renda, que se tornaram pilar da política social de Lula e Jair Bolsonaro.
Leiam:
“Lares de brasileiros de todas as classes de renda tiveram na manhã de sexta-feira 14 de outubro de 2022, uma imagem comum, mas significativa, do dito andar de baixo de nossa sociedade. A programação da televisão, repleta de ficção de alta qualidade, musicais aplaudidos no mundo inteiro, e que dedica parte de sua “grade” de programas ao noticiário por força da lei, não pôde esconder flagrantes da dura, feia e fedida realidade do chamado andar de baixo dessa pátria, que muita gente desqualificada diz amar. Mas, na prática, é amada de verdade por esta, já que ela mesma não ama seus filhos desprezados, maltratados e desprovidos de praticamente tudo, os chamados pobres de Cristo e deserdados dessa geniosa genitora.
Os noticiários do café da manhã trouxeram as imagens de filas de desvalidos em praticamente todos os pontos do território nacional onde, mudos e espantados, seus irmãos nutridos testemunharam a fome e a insônia dos sofridos. No Rio de Janeiro, que já foi corte imperial e hoje tem territórios ao qual o acesso dos serviços do Estado é impedido por bandos de marginais, alguns com assentos em cargo no poder, houve quem passasse 18 horas na fila do recadastramento para o dito Cadastro Único. Nele a ausência pode desqualificar qualquer cidadão aos míseros R$ 600 mensais do dito Auxílio Brasil, que também mereceria a alcunha de Mercado do Voto, sendo como é este um ano eleitoral. Pois não? Numa dessas filas quilométricas, mas ainda incapazes de dar a real dimensão da ausência de cidadania de quantos a formam para receber uma migalha ou esmola, uma jovem mãe usou a palavra exata para definir a situação, depois de ter passado a noite dormindo na calçada ao relento com um filho de três anos: humilhação. Humilhada, mas viva. Menos sorte, muito menos sorte tivera Janaína Nunes Araújo, de 44 anos, que passara oito dias na fila à espera de atendimento pelo mesmo Estado que humilhou a jovem mãe, nela a acometera um enfarte, fora atendida no Hospital Regional do Paranoá, onde morreria. E seria sepultada em 24 de agosto no cemitério Campo de Esperança em Taguatinga, cidade satélite da capital federal, sede nacional da privilegiatura da elite do alto funcionalismo do Estado estróina.
Após testemunhar incômodos de pobres brasileiros ao relento, o público ligado na GloboNews ouviu um judicioso comentário do colega Fernando Gabeira, no qual ele destacou a incompetência, o desleixo e a falta da mínima empatia dos funcionários de um Ministério intitulado da Cidadania. Aí temos uma ironia extremamente desnecessária. O autor de O que é isso, companheiro? recorreu a um exemplo desmoralizante, que me lembrou um adágio popular, muito citado por minha avó paterna, dona Nanita: “Desculpa de cego é feira ruim e saco furado”. Ele descreveu o modelo do sistema assistencialista similar utilizado na Índia. Com 1 bilhão e 380 milhões de habitantes, sua população é seis vezes maior do que a nossa, de 212 milhões e 600 mil. Aqui temos o Centro de Referência da Assistência Social (Cras) e suas iniciativas pré-históricas do sistema semi-escravista de distribuição de esmolas pelos desgovernos pátrios. Já na segunda maior democracia mundial, instalada no segundo país mais pobre do planeta, o governo de Narendra Modi, de cuja amizade o presidente brasileiro se gaba, distribui renda diretamente dos cofres públicos para a poupança familiar dos necessitados. Abre para os pobres contas no sistema bancário, dando-lhes créditos e seguros. E, com a distribuição de cartões biométricos para todos os indianos, obstrui a corrupção, evitando intermediários, que pululam no sistema brasileiro, paraíso da roubalheira impune das elites.
No Nêumanne Entrevista no YouTube desta semana, o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca propõe um passo à frente nessa caminhada: o abandono da simples transferência de renda. Seguindo a linha detalhada pelo ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-governador do Distrito Federal (DF) Christovam Buarque, o membro da Academia Brasileira de Letras aponta para um defeito que considera o maior no método brasileiro: o auxílio direto ao indivíduo. Buarque propôs a radicalização de uma das exigências da solução indiana: a educação compulsória da família sem bens como condição para a concessão da dádiva. Como foi a Bolsa Escola, adotada na gestão Fernando Henrique Cardoso, depois desfigurada pelo PT de Lula na Bolsa Família, um passo atrás da educação compulsória e um à frente do individualismo dos atuais programas pré-eleitorais da direita boçal. Estes vinculam a transferência de renda a quem a paga, configurando com a migalha concedida um auxílio de araque de esmola disfarçada e compra de voto desavergonhada, herança do velho coronelismo dos tempos do sufrágio de cabresto.
Giannetti parte da escola compulsória de Modi e Buarque para uma solução radical do problema estrutural do sistema brasileiro de castas, que joga o País numa máquina monstruosa do tempo anterior ao período da Revolução Francesa no século 18: não há igualdade nestes tristes trópicos. Mais do que o tríptico liberdade, igualdade, fraternidade, a solução a ser adotada, a seu ver, é a extinção do sistema social que divide os brasileiros em dois tipos de cidadãos: os que estão acima da lei nas elites econômica, social, estatal e política e os que sobrevivem de sobras dos restos do banquete, vegetando abaixo da legalidade. Educação, saúde, saneamento e trabalho são, para ele, as únicas vias na direção da igualdade de todos os cidadãos perante a lei de verdade, não nessa democracia de chanchada à qual o Brasil, apesar de todo o potencial de riquezas naturais, se submete de forma vexaminosa.
Enquanto isso não ocorrer, concorda este sertanejo de um Rio do Peixe que nem água tem, a Pindorama paradisíaca perdida, a antiga Terra de Santa Cruz e a república bananeira, em cuja direção marcha seu rebanho sem pastor rumo ao abismo tem um passado sujo, um presente escabroso e um futuro catastfófico. Sua tendência é gemer ao som do refrão da Cantiga da Perua, de Elias Soares e Jackson do Pandeiro, que o gravou: “é de pior a pior, de pior a pior, a cantiga da perua é uma só”.
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