Jerônimo Teixeira na Crusoé: As mentiras em que o eleitor adora acreditar
O episódio do laudo falso divulgado por Pablo Marçal confirma uma intuição sombria de Shakespeare sobre a natureza da plebe
Pablo Marçal, o candidato contracultural, não chegou lá, mas lutou até o fim. A luta foi suja, a seu estilo, com dedo no olho, soco inglês, chute nas partes baixas. Só é difícil avaliar se ele causou dano efetivo aos candidatos que agora disputam o segundo turno. O laudo médico fajuto prejudicou Guilherme Boulos? E será que algum eleitor de Ricardo Nunes mudou seu voto na última hora, convencido de que Marçal é o homem certo para combater a esquerda por todos os meios possíveis?
Os sinais da falsificação – o RG errado, a assinatura forjada de um médico já falecido – são escandalosamente óbvios. E tem ainda a redação do laudo, que denuncia um autor semi-analfabeto: “Ao médico psiquiatra, encaminho o senhor Sr. Guilherme Castro Boulos, por minha atendido nesta data, nesta unidade que apresentou um quadro de surto psicótico…”. A unidade médica pode alegar que é inocente de falsidade ideológica, pois estava em surto quando emitiu o laudo mal-ajambrado. A Marçal, restou alegar que não produziu a contrafação: seu advogado lhe passou o laudo, e ele publicou no Instagram, na sexta-feira à noite. Se isso é verdade, ele deveria cogitar a demissão do tal advogado.
Quando as urnas foram abertas no domingo, a mentira, que nesse caso tinha pernas curtas, já estava há horas estatelada no chão. As imposturas políticas que circulam pelo país há mais tempo não são tão fáceis de derrubar. Tome-se o “golpe de 2016“: para vender essa asneira, basta esticar um tantinho o conceito de golpe. A turma sofisticada gosta de invocar um equívoco “golpe parlamentar” para descaracterizar um impeachment conduzido pelo Congresso, segundo suas atribuições constitucionais. No outro campo político, a lorota mais popular é a ideia de que as urnas eletrônicas são inseguras – e que por isso nosso sistema eleitoral é corrompido sabe-se lá por que forças ocultas. Essa mentira se ampara na complexidade técnica do assunto, que escampa à compreensão imediata do leigo.
O laudo forjado é outra história. Não há como se improvisar um novo conceito de laudo médico, como se faz com golpe. Tampouco existem, nesse caso, complicações como o tão discutido código-fonte da urna: o leigo pode comparar a assinatura que a aparece no laudo com a assinatura real do médico a quem ela foi atribuída e constatar que elas são muito diferentes.
No meu departamento de avaliações político-morais, forjar um documento médico com intuito de caracterizar um adversário como cocainômano é considerado uma calhordice imperdoável. Divulgar um documento desse tipo sem averiguar se é legítimo fica só um pouco abaixo na escala da calhordice. No mínimo, denuncia uma leviandade que desqualifica a pessoa até para ser suplente de vereador.
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