Hamas X hospital —o maior ataque à credibilidade da imprensa
Ontem a imprensa ocidental sofreu o mais duro golpe contra sua própria credibilidade, se prestando a assessoria de imprensa de terrorista. A versão do Hamas sobre um ataque foi divulgada como verdade por diversos veículos muito importantes...
Ontem a imprensa ocidental sofreu o mais duro golpe contra sua própria credibilidade, se prestando a assessoria de imprensa de terrorista. A versão do Hamas sobre um ataque foi divulgada como verdade por diversos veículos muito importantes.
Logo depois, Israel deu sua versão. Ela não virou imediatamente manchete: o pessoal entrou no modo “veja bem”.
Muitos veículos que são referência, como o New York Times, deram capa dizendo que Israel havia bombardeado um hospital e matado centenas de pessoas. No final, a explosão não foi nem no hospital, foi num estacionamento.
Há uma série de fatores que levaram à lambança de ontem. Uma explicação simples e popular é a ideologia nas redações. Não fosse uma simplificação grosseira e pueril, ficaria fácil resolver. Só balancear a turma de esquerda com a de direita. Nem isso resolveria, porque o problema é mais complexo.
As redações ainda não aprenderam a conviver com a velocidade das redes sociais e a perda do poder do furo de reportagem. Sempre as primeiras informações em casos como de guerras, episódios de violência, explosões e catástrofes naturais eram da imprensa.
O jornalismo detinha o status e o poder de testemunhar a história se fazendo e contar aos demais. Nesses casos específicos, isso acabou. Raramente um jornalista será o primeiro a divulgar um vídeo de uma explosão durante uma guerra.
Na quase totalidade das vezes, as pessoas filmarão com seus telefones e postarão nas redes. Ao jornalismo cabe agora verificar quais dessas imagens são verdadeiras e quais fazem parte da guerra de desinformação e contrainformação, uma parte do ofício militar.
Mas as redações entram num pensamento de não ficar para trás. Se todo mundo está dando a notícia, é necessário dar a notícia também. Ou parece que aquele veículo não é tão rápido, tão eficiente. No final, acaba sendo mais fácil dar a notícia errada.
A parte ideológica é vista pelos simplistas como uma simples questão de ter mais gente de esquerda nas redações. Isso é verdade e tem impactos. No caso da guerra, no entanto, há uma camada de ideologia mais sutil e mais perigosa.
O politicamente correto e o woke condicionaram as pessoas a dividir o mundo entre oprimidos e opressores. Essas categorias são dissociadas da realidade. Alguém que oprime os outros pode virar oprimido e uma pessoa efetivamente oprimida pode ser vista como opressora. Depende da categoria em que é colocada.
Judeus, por exemplo, são opressores. Estão associados ao Estado de Israel, que é rico e forte. São apoiados pelo imperialismo norte-americano.
Já os palestinos são oprimidos. Até o pessoal do Hamas, que é terrorista e quer poder matar infiéis numa jihad, é oprimido também. Não considerar que eles sejam oprimidos é a islamofobia típica do imperialismo.
As notícias têm sido feitas com esse viés, que é mais sutil e recente que o viés puramente político. Além de tudo, combater o viés político é mais fácil. Combater o viés criado pela patrulha do identitarismo tem um preço pessoal que pode culminar no cancelamento, na morte social e perseguição profissional.
Até o momento, a imprensa tem agido como se nada tivesse ocorrido. Mudou as manchetes e seguiu a vida. O público não vai esquecer e a inação tende a piorar a sensação de desconfiança.
Era o momento de fazer o famoso “erramos”, comum tempos atrás. Também seria muito positivo criar novas regras sobre a forma como essa cobertura vai ser conduzida. Uma espécie de governança da apuração jornalística exposta ao público, um passo a passo do que vai ser diferente agora, para evitar uma repetição do espetáculo dantesco de ontem.
Muita gente acha que um problema some se a gente resolve ignorar. É um erro absurdo. O jornalismo precisa tomar as rédeas do próprio destino. Caso contrário, o cavalo continuará trotando rumo ao precipício.
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