Escândalo da Abin mostra que todos estamos vulneráveis ao controle estatal
O escândalo da Abin mostra que a tecnologia nos colocou em uma marcha rápida de controle do cidadão pelos sistemas estatais...
O escândalo da Abin mostra que a tecnologia nos colocou em uma marcha rápida de controle do cidadão pelos sistemas estatais. Parece um caso que envolve apenas políticos e quem tem vida pública. Não é, trata-se de algo que deve preocupar todo cidadão brasileiro.
Temos aqui um escândalo político que ainda terá muitos desdobramentos. São cerca de 33 mil monitoramentos indevidos feitos pela Abin, na maioria apagados do sistema. As investigações teriam sido feitas sobre os restantes, mais de 1.800 monitoramentos.
O equipamento em questão, First Mile, foi adquirido sem licitação pelo governo Temer em 2017. É de origem israelense e a empresa foi representada no Brasil por Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general Santos Cruz.
Ele funciona hackeando a rede de telefonia para rastrear especificamente a localização do celular. Não tem capacidade de pegar outros dados nem mensagens. Você coloca o número do celular no equipamento e ele passa a rastrear a localização usando a rede de telefonia.
Não sabemos quais são os casos específicos em que este equipamento foi usado de forma lícita. É possível entreter a imaginação e elencar alguns casos em que essa tecnologia seja útil e possa ser usada.
Mas não há uma avaliação clara do custo-benefício dessas tecnologias invasivas antes que elas sejam compradas. Isso é um grande problema. Primeiro damos ao Estado poder de controle sobre o cidadão, depois pensamos se isso vale a pena e dentro de quais regras seria utilizado.
Esses princípios têm sido aplicados em larga escala. Hoje somos obrigados a usar, por exemplo, o sistema Gov.br para uma série de coisas relacionadas à cidadania. Ali estão o Imposto de Renda, título de eleitor, carteira de motorista, Previdência Social, e-social, por exemplo. Até empréstimo consignado se pode fazer por esse sistema.
Nossas assinaturas já são feitas por sistemas eletrônicos em qualquer documento. Os processos judiciais já se tornaram exclusivamente eletrônicos. O Poder Judiciário dispõe de mecanismos como Bacenjud e Renajud. São sistemas informáticos que determinam bloqueio imediato de contas bancárias ou bens de pessoas físicas e jurídicas em todo o país.
O que acontece quando um funcionário público erra ao usar esses sistemas e prejudica um cidadão? Provavelmente nada. Deveria ser tratado como algo gravíssimo, mesmo sem dolo. Ainda que seja uma boa pessoa, quem comete uma falha dessas não pode ter poder sobre os dados dos demais.
Só isso garantiria que o Estado não utilizasse esses mecanismos para burlar a lei e se agigantar sobre o cidadão. Também garantiria que não se criasse um mercado paralelo de uso desses sistemas governamentais à revelia da lei.
Nesta semana, saiu uma sentença em que o governo federal é condenado a indenizar em R$ 15 mil cada cidadão que teve seus dados do Auxílio Brasil vazados. Os dados de 3,7 milhões de brasileiros acabaram nas mãos de instituições bancárias e foram usados para propostas de crédito consignado.
A melhor solução que o poder público arrumou é fazer os cofres públicos desembolsarem R$ 56 bilhões para reparar os cidadãos. É metade do valor que o governo gasta anualmente com o Auxílio Brasil em si.
Parece justo que os cidadãos sejam indenizados, só que não resolve o problema. Quem são os responsáveis pelo vazamento, em ação ou omissão? Eles ainda trabalham com isso? Quais as providências tomadas para que o sistema não seja mais vulnerável? Não temos essas respostas.
Cada vez mais deixamos o Estado usar todo tipo possível de tecnologia de vigilância e controle dos cidadãos. Não nos preocupamos o suficiente sobre a forma como isso tem sido usado. Resta rezar para que as pessoas acordem enquanto ainda é possível fazer alguma coisa.
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