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José Nêumanne Pinto
6 minutos de leitura 23.10.2022 10:00 comentários
Opinião

Cara toga inútil

Nesta reta final da corrida eleitoral, o UOL noticiou que o desgoverno federal despejou R$ 21 bilhões em 18 iniciativas para virar o jogo, na ocasião em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que dispensará ações judiciais para retirar do ar medidas que considerar desinformação. Ou seja, notícias mentirosas, hoje definidas no mundo inteiro com a expressão inglesa Fake News...

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José Nêumanne Pinto
6 minutos de leitura 23.10.2022 10:00 comentários 0
Cara toga inútil
Foto: Adriano Machado/Crusoé

Nesta reta final da corrida eleitoral, o UOL noticiou que o desgoverno federal despejou R$ 21 bilhões em 18 iniciativas para virar o jogo, na ocasião em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que dispensará ações judiciais para retirar do ar medidas que considerar desinformação. Ou seja, notícias mentirosas, hoje definidas no mundo inteiro com a expressão inglesa Fake News.

A decisão foi comunicada numa reunião dos sete ministros da corte com representantes das redes digitais, às quais foi dado o direito sagradíssimo de ouvir, calar e parar de mentir. Antes, quando um partido achava que seu candidato foi prejudicado por uma das miríades de lorotas recorria ao órgão máximo da Justiça Eleitoral pedindo sua retirada de circulação. Se a medida foi repetida por outros meios sua retirada destes dependerá da decisão da corte para seus recursos.

A disseminação de violações da verdade nas últimas eleições gerais, em 2018, foi denunciada em reportagem do mesmo UOL assinada pela repórter Patrícia Campos Mello, um estrondoso disparo de WhatsApps a favor de Jair Bolsonaro e contra seu adversário petista, Fernando Haddad.

Repetiu-se no julgamento no mesmo plenário, então presidido pelo atual decano do STF, Gilmar Mendes, em que foi concedida indulgência à chapa vencedora em 2014, formada por Dilma Rousseff, do PT, e Michel Temer, do MDB. O ministro Herman Benjamin, relator, que foi voto vencido no recurso apresentado pelo PSDB, derrotado, cunhou uma das mais lúcidas demonstrações de Justiça, registrada nos anais do Poder Judiciário brasileiro: a criação do instituto da “absolvição por excesso de provas”. 

Recentemente, em sua tentativa de ganhar protagonismo no noticiário político, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que cumpre seu turno na presidência do TSE, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Alexandre de Moraes, anunciou que isso não se repetiria este ano.

A única explicação razoável para essa nova demonstração de fraqueza do adiamento só pode ser a falta de poder para realizar o que tinha de ser concretizado: a investigação para descobrir os beneficiários do lorotário vencedor e seu afastamento do poder.

Qual o quê! A Justiça Eleitoral brasileira, que desperdiça quantias volumosas de dinheiro público em propaganda vazia, adiou para agora o que podia ter sido feito ao longo da implantação da Bolsolândia, ou seja, a troca definitiva do regime democrático pela tirania do bolso cheio e dos estômagos vazios.

Faltam aos pais da Pátria da inútil, inócua e cara Justiça Eleitoral estrutura para investigar e punir e força moral, de que padece sua história. Não há nada que sua estrutura dispendiosa, balofa e ostensiva possa fazer (e não faz) de que a Justiça comum não possa tomar conta. É pedra falsa da coroa fascistoide, assim como o é a trabalhista.

As democracias sólidas e autênticas não dispõem de tribunal eleitoral por esse motivo. Nos Estados Unidos, na França, na Itália, na Alemanha e em outros países democráticos as eleições são administrada pela burocracia estatal, em alguns por governos estaduais ou até municipais ou pela federação. O funcionamento da injustiça eleitoral brasileira custa muito caro ao contribuinte e contribui pouquíssimo para a isonomia da disputa.

O ambiente de incerteza e insegurança jurídica a que assistimos de dois em dois anos neste País é uma das causas inevitáveis do distanciamento absurdo entre o cidadão e o poder imperial do Estado, encarnação do Leviatã descrito por Hobbes.

Os defensores do modelo brasileiro poderão argumentar que o sistema eleitoral dos Estados Unidos permitiu dúvidas como a eleição de Kennedy, atribuída às interferências corruptas do chefão político Richard Dailey de Chicago e a de Bush com as suspeitas do golpe de irmão de seu irmão Jeb, que era governador do Estado decisivo da Califórnia.

Os escândalos tupiniquins são mais freqüentes e menos lembrados. Muitos se perdem na poeira da indiferença geral. Outros são de uma safadeza sesquipedal. Ruy Carneiro esperou cinco anos, ou seja, o mandato de João Agripino inteiro e mais um ano, para saber que obteve mais votos do que o adversário. Roberto Requião fraudou o segundo turno da eleição em que derrotou José Carlos Martinez e até hoje posa de político probo e longevo.

Nada do que foi feito de vergonhoso no passado, contudo, pode ser comparado com a decisão tomada a dez dias do pleito como a sentença sem justificativa constitucional ou razão social de sete cavalheiros de decretarem o que pode ou não ser verdadeiro ou falacioso na eleição dos manda-chuvas de nossa republiqueta do faz-de-conta. A ominosa censura prévia da ditadura militar equivale a um conto de fadas diante dessa ignomínia. Da mesma forma, o voto de bico de pena e de cabresto dos coronéis da Velha República vira esmola de porta de igreja se cotejada com os bilhões que os barões da judicatura arrancaram dos cofres da viúva para fazerem a farra da permanência no comando do saque constitucionalizado, que a cúpula judicial finge não ver.

A reivindicação do voto impresso substituindo o eletrônico não passa de balela da ignorância para garantir o atraso que enriquece abonados e mata pobres trabalhadores de fome. O acúmulo de suspeitas comprometem as estruturas apodrecidas de nosso regime dos capinhas, que têm emprego garantido para vestirem nossos varões da insídia, e some sob a pompa e circunstância que encobrem os andrajos de nossos desprovidos até mesmo dos cardápios das senzalas.

A Justiça Eleitoral, assim como a trabalhista, não é sequer uma farsa, por ser pecaminoso rir de suas ações e seus efeitos. Antes que seus palácios de mármore desabem sobre suas bases de barro muitos velórios de nossas últimas quimeras ainda clamarão por nossas presenças, a única esperança depois da passagem dos coronéis vírus com suas dragonas de dragões. Os versos de Luiz de Camões serão poucos para preencher os espaços esvaziados nas páginas da imprensa pela sanha autoritária de quem assume a paternidade da Pátria em preito solene à própria vilania.

O problema maior desses vilões é que a atividade deles, cara para o contribuinte, é inócua. Fake News existem porque a mentira sustenta seus negócios, que custam muito caro. Seus donos não estão nem aí para nossos falsos justiceiros de urnas. A mentira é melhor negócio do que a verdade e o pecado vende mais do que a virtude, gente. E, se não consegue evitar a compra de votos com dinheiro público, a toga das urnas serve para quê?

*José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor.

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