Capitalistas, não basta escrever. É preciso agir
Em dezembro, escrevi na Crusoé e neste site que os grandes capitalistas brasileiros (empresários e banqueiros) deveriam assumir a frente no combate à pandemia: "A patifaria e a inépcia governamentais em relação ao combate à Covid-19 deveriam servir para que os empresários brasileiros agissem e demostrassem aos cidadãos como o capitalismo pode ser a nossa salvação. As entidades que reúnem banqueiros, industriais e comerciantes de peso poderiam unir-se para comprar dezenas de milhões de doses das vacinas mais eficazes, assim que os laboratórios tiverem quantidade suficiente para vendê-las a quem não seja governo...
Em dezembro, escrevi na Crusoé e neste site que os grandes capitalistas brasileiros (empresários e banqueiros) deveriam assumir a frente no combate à pandemia:
“A patifaria e a inépcia governamentais em relação ao combate à Covid-19 deveriam servir para que os empresários brasileiros agissem e demostrassem aos cidadãos como o capitalismo pode ser a nossa salvação. As entidades que reúnem banqueiros, industriais e comerciantes de peso poderiam unir-se para comprar dezenas de milhões de doses das vacinas mais eficazes, assim que os laboratórios tiverem quantidade suficiente para vendê-las a quem não seja governo — o que, pelo jeito, começará a ocorrer antes que os cretinos do Poder Executivo consigam ter um plano de verdade de imunização em massa e concretizá-lo. As milhares de farmácias serviriam como postos de vacinação para a população, o que aliás já foi oferecido pela associação que as congrega. Apesar da precariedade da nossa infraestrutura, temos especialistas em logística na iniciativa privada capazes de organizar rapidamente o transporte e a distribuição de vacinas. Ninguém precisa de um bronco como Eduardo Pazuello.
Mesmo com os fabricantes de vacinas vendendo apenas para governos, os grandes capitalistas deveriam intervir para dar um basta imediato a esses estultos desonestos que nos distanciam do final do túnel — que comprem as vacinas logo, para que possamos distribuí-las e aplicá-las, ou ninguém mais terá contribuição nenhuma no caixa um, dois ou três. A lógica não é apenas da benemerência, mas da necessidade econômica. Um único mês faz diferença. Um único dia faz diferença. O país precisa urgentemente salvar vidas e empregos. O pessoal do dinheiro tem de falar grosso com esses gorilas de Brasília e dos governos estaduais. Eles ouvirão como animais amestrados. E não esqueçamos que teve banco dando bilhão de reais para minorar os efeitos da quarentena. Que seja gasto outro tanto para vacinar. Bilhão é o que não falta no capitalismo nacional.
Se banqueiros, industriais e comerciantes de peso tomassem as rédeas do processo de imunização em massa, mortes seriam evitadas, o Brasil sairia mais rapidamente do atoleiro pandêmico e quem sabe os cidadãos finalmente reconhecessem no capitalismo a via real de progresso para este país sufocado pelo estado. Com sorte, até os próprios banqueiros, industriais e comerciantes de peso chegassem à mesma conclusão.”
Três meses depois, e com outro Pazuello prestes a servir de fantoche no Ministério da Saúde, a carta-manifesto assinada por economistas, banqueiros e empresários aparentemente marca o início da entrada em campo do pessoal com milhões de argumentos convincentes nas mãos e dos que orbitam em torne dele. A falsa dicotomia entre combate à pandemia e manutenção do sustento dos mais vulneráveis e do movimento da economia é apontada por quem faz contas o dia inteiro, e a maioria com o próprio dinheiro, o que torna o cálculo mais confiáveis. Dizem eles:
“A controvérsia em torno dos impactos econômicos do distanciamento social reflete o falso dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável. Na realidade, dados preliminares de óbitos e desempenho econômico sugerem que os países com pior desempenho econômico tiveram mais óbitos de Covid-19. A experiência mostrou que mesmo países que optaram inicialmente por evitar o lockdown terminaram por adotá-lo, em formas variadas, diante do agravamento da pandemia – é o caso do Reino Unido, por exemplo. Estudos mostraram que diante da aceleração de novos casos, a população responde ficando mais avessa ao risco sanitário, aumentando o isolamento voluntário e levando à queda no consumo das famílias mesmo antes ou sem que medidas restritivas formais sejam adotadas. A recuperação econômica, por sua vez, é lenta e depende da retomada de confiança e maior previsibilidade da situação de saúde no país. Logo, não é razoável esperar a recuperação da atividade econômica em uma epidemia descontrolada.”
A visão é lúcida, mas não basta. É urgente que o setor econômico-financeiro vá além dessa carta-manifesto e exerça pressões políticas ainda maiores sobre governo e parlamento, para que o país não chegue a meio milhão de mortos vítimas de Covid ou número até pior. As pressões são necessárias e os recursos também. Na carta-manifesto, os signatários afirmam que o custo de vacinar em massa sai bem mais barato do que o auxílio-emergencial. “Vacinas são relativamente baratas face ao custo que a pandemia impõe à sociedade. Os recursos federais para compra de vacinas somam R$ 22 bilhões, uma pequena fração dos R$ 327 bilhões desembolsados nos programas de auxílio emergencial e manutenção do emprego no ano de 2020″, escrevem. Economistas e banqueiros estão certos, mas dinheiro extra para a aquisição, produção e distribuição de vacinas, vindo diretamente da iniciativa privada, é sempre bem-vindo, dado o tamanho do buraco fiscal. Seria também uma boa ideia o uso de canais internacionais, principalmente da parte de banqueiros, em busca da liberação mais rápida de milhões de doses de imunizantes pelos países produtores de vacinas, para além do que pode ser feito pelos meios diplomáticos tradicionais.
O Brasil precisa que os seus capitalistas arregacem as mangas de verdade. A luta pelas vacinas está ferrenha no mundo e entramos tarde na refrega, por culpa do negacionismo de Jair Bolsonaro e os mentecaptos que o cercam. Há que criticar, há que lamentar e há que agir. Imediatamente. Como diz a própria carta-manifesto, “o país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito”. O respeito passa pela visão de que a pandemia é assunto sério demais para ficar nas mãos dos nossos políticos, assim como a guerra é importante demais para ficar nas mãos de generais, como disse o primeiro-ministro Georges Clemenceau, por ocasião da Primeira Guerra Mundial.
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