As tesouras voadoras do senhor desembargador
A Folha de S. Paulo publicou uma artigo-entrevista sobre o livro de Sergio Moro, Contra o Sistema da Corrupção, assinado pela colunista Catarina Rochamonte. O desembargador Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça de São Paulo, não gostou. E resolveu desancá-la na mesma Folha de S.Paulo, dentro da tradição do jornal de abrir as suas páginas ao debate. O desembargador critica a colunista pelo tom que diz ser laudatório e a condena -- espero que não à cadeia -- por não ter questionado Sergio Moro sobre o conteúdo das mensagens roubadas do Telegram de Deltan Dallagnol...
A Folha de S. Paulo publicou uma artigo-entrevista sobre o livro de Sergio Moro, Contra o Sistema da Corrupção, assinado pela colunista Catarina Rochamonte. O desembargador Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça de São Paulo, não gostou. E resolveu desancá-la na mesma Folha de S.Paulo, dentro da tradição do jornal de abrir as suas páginas ao debate.
O desembargador critica a colunista pelo tom que diz ser laudatório e a condena — espero que não à cadeia — por não ter questionado Sergio Moro sobre o conteúdo das mensagens roubadas do Telegram de Deltan Dallagnol. Não, ele não diz que as mensagens foram roubadas, usa apenas aquele eufemismo malandro de “Vaza Jato”: “Se estivesse disposto de fato a contar o que aconteceu, Moro poderia ter esclarecido de vez as conversas secretas mantidas com Deltan Dallagnol, que vieram a ser expostas pela Vaza Jato — no lugar de sua postura dúbia com as revelações, em que, de um lado, negava o conteúdo delas de forma genérica, sem apresentar uma única imprecisão concreta, e de outro, defendia, contraditoriamente, os supostos diálogos como normais e rotineiros“.
Além de usar o eufemismo “Vaza Jato”, o desembargador classifica as conversas como “secretas”. Sejamos diretos. Secretas coisa nenhuma: as conversas eram privadas. Assim como, imagino, as que o desembargador mantém pessoal e profissionalmente em algum aplicativo, talvez o próprio Telegram. Desconfio de que, se um hacker as roubasse e as divulgasse, ele não chamaria as suas mensagens de “secretas”, mas espumaria de raiva e iria à Justiça à qual pertence para punir os responsáveis. E, vamos combinar, como desembargador que é, Marcelo Semer sabe que juízes conversam em privado tanto com advogados quanto com procuradores e que, quando retiradas do contexto e submetidas a interpretações de texto marotas, tais conversas podem ganhar ares de suspeição. O fato é que as provas contra Lula e todos os outros condenados no âmbito da Lava Jato foram reconhecidas em três instâncias da Justiça à qual o magistrado pertence.
Entre as tesouras voadoras do desembargador contra Sergio Moro, destaca-se a mentira de que a imprensa serve de “escudo” ao ex-juiz da Lava Jato. Como assim? Foram meios de comunicação jornalísticos, inclusive a Folha de S.Paulo, que se deram ao desfrute de publicar as mensagens roubadas e ensejo a que Gilmar Mendes as usasse como “reforço argumentativo”, a fim de passar a suspeição de Sergio Moro no STF. Para não falar que o ex-juiz da Lava Jato vem apanhando na imprensa, dia sim, outro também, desde que decidiu entrar na política, fato facilmente constatável na própria Folha de S. Paulo, no Estado de S. Paulo, no UOL, na Veja e no Globo. Cadê o escudo?
O desembargador Marcelo Semer não vê o óbvio, porque usa os óculos da ideologia. Ele é ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Em 22 de julho de 2019, tive acesso à ata de uma assembleia dessa associação e publiquei o seguinte:
“O Antagonista teve acesso à Ata de Assembleia da Associação Juízes para a Democracia — a entidade da qual faz parte o desembargador Rogério Favreto, que tentou libertar Lula quando dava plantão num domingo do ano passado. A assembleia foi realizada no último dia 13 de julho.
Na ata, está registrado que ‘as instituições estão sendo soterradas por uma plutocracia fascista’ e que ‘agora, a divisão é fatal para a nossa luta, precisamos superar as divisões internas’ (houve tensões por causa da eleição de Valdete Souto Severo para “presidenta” da AJD).
A assembleia também deliberou que ‘quanto à proposta da AJD, no caso de presos políticos decorrentes da operação lava jato, sempre indique quem são os presos políticos assim reconhecidos pela entidade, para evitar generalismo, e que se defenda a nulidade do processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que a suspeição do juiz e dos Membros do Ministério Público deva ser analisada caso a caso, em relação aos demais acusados, houve consenso, pois inclusive trata-se de questão já referida no documento aprovado’.
‘Delibera-se, ainda, sobre a proposta de realização de ato/visita institucional para marcar posição da entidade quanto ao caráter político e não democrático da prisão do ex-presidente em Curitiba.’
Os presentes também dizem que é preciso ‘urgentemente’ revisar o estatuto da associação, ‘pois reproduz as formas de organização da democracia burguesa’.
A AJD comporta-se como um braço do Partido dos Trabalhadores.
Leia a íntegra da ata aqui.”
A linguagem da Associação Juízes para a Democracia é a de um diretório estudantil, e seus integrantes se comportam como tal. O desembargador Marcelo Semer foi presidente de um clube que acha que a democracia é “burguesa” e que ladrão de dinheiro público condenado é “preso político”. As tesouras voadoras contra Sergio Moro ficam mais explicáveis quando o leitor é informado sobre a Associação Juízes para a Democracia, a Coreia do Norte da magistratura.
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