Alexandre Soares na Crusoé: Brasil, né?
Não conheço maior mistério nesse país que a superioridade intelectual que é sentida pelas pessoas ultraconfiantes
Vem cá: quão estranho é que nos dias de hoje alguém confie em alguma coisa? Em qualquer coisa?
E quão mais estranho é que alguém confie em alguma coisa vinda do governo brasileiro, ou da imprensa? E, para fazer uma última pergunta retórica, quão estranho é que alguém não só confie em coisas vindas do governo ou da imprensa, mas que ainda por cima ria, ria de se esbodegar, de quem desconfia de alguma coisa que vem do governo ou da imprensa?
Não sou homem de não responder minhas próprias perguntas, então digo: é estranhíssimo. Para mim, pelo menos — mas imagino que para você também. Não crescemos os dois já na escola rindo do Brasil e das coisas brasileiras? Ou estou muito enganado (não estou) ou entramos na adolescência num clima de perpétuo desprezo pelo governo brasileiro, antes mesmo de entendermos completamente a extensão dos motivos do desprezo. Crianças no pátio da escola dizendo “Brasil, né?”, com um jeito sabido, ao ver um eletricista despencar esturricado de um fio elétrico.
Pois nos foi inculcado que nada aqui funcionava, que todos roubavam, que todos os eleitores e todos os eleitos brasileiros eram ao mesmo tempo infinitamente estúpidos e infinitamente mal-intencionados. E quando nossas faculdades críticas se desenvolveram, para aqueles de nós em que elas se desenvolveram, esse desprezo generalizado pelo Brasil, em especial pelo governo e pela imprensa daqui, só foi fortalecido. À medida em que os anos e as décadas passavam, testemunhamos todos os dias dezenas de provas de que esse desprezo era sensato, era sadio, era obviamente necessário.
Estou errado? Não é a sua experiência? Antigamente não se zombava das pessoas crédulas? Então por que essas pessoas agora zombam dos descrentes com tamanho senso de superioridade intelectual?
Eu, pelo menos, cansei de defender que no Brasil às vezes as coisas não funcionam. Mas fui recebido com a risada de alguns amigos céticos. Sim (eles concordavam), algumas coisas não funcionam. Tudo não funciona em algum momento, tudo pode falhar: aviões, casamentos, elevadores, marcapassos, bombas, sistemas antibalísticos — tudo. Eles admitiam isso sem problema nenhum. Mas as urnas eletrônicas? Peralá, aí era claramente outra história. A simples menção de que elas pudessem ser manipuladas de algum jeito provava uma monstruosa debilidade do meu intelecto, ou talvez da formação do meu caráter até. Sim, tudo pode ser trapaceado, tudo no universo inteiro, é verdade; mas óbvio que as urnas eletrônicas brasileiras são a exceção.
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