A volta da “companheirada” aos negócios
Lula prometeu durante a campanha que não repetiria a política das campeãs nacionais. Nada disse, no entanto, sobre usar empresas amigas para manter a influência do Estado sobre setores econômicos que considera estratégicos. É isso que parece estar em curso no processo de venda da petroquímica Braskem...
Lula prometeu durante a campanha que não repetiria a política das campeãs nacionais. Nada disse, no entanto, sobre usar empresas amigas para manter a influência do Estado sobre setores econômicos que considera estratégicos. É isso que parece estar em curso no processo de venda da petroquímica Braskem.
Até dez dias atrás, as propostas que estavam na mesa eram do grupo brasileiro Unipar e do consórcio entre a petroleira Adnoc, dos Emirados Árabes Unidos, e o fundo de investimentos americano Apollo. Deu-se então a entrada no jogo da J&F em – detalhe importante – provável parceria com a Previ, o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil.
Ao contrário da Adnoc e da Unipar (e da Ineos, britânica do setor de química que começou a colher informações sobre a Braskem, segundo veio à tona nesta quarta-feira), a J&F não tem experiência nenhuma no setor petroquímico. É verdade que a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista há tempos expandiu seus negócios para além do setor alimentício, onde estão suas raízes, mas é difícil enxergar como natural a entrada da empresa em um território desconhecido, com desembolso bilionário, neste momento da sua trajetória.
A J&F tem uma dívida líquida de cerca de R$ 17 bilhões. Na semana passada, a S&P Global rebaixou a perspectiva de risco da companhia e a oferta de R$ 10 bilhões feita pela Braskem, se concretizada, aumentaria a pressão sobre esse indicador. A J&F também está envolvida em uma guerra pelo controle da produtora de celulose Eldorado Brasil, com chances reais de que perca a batalha para a indonésia Paper Excellence.
A entrada da J&F na disputa pela Braskem tornou voz corrente na imprensa econômica que Lula está “intervindo no negócio” e que o desfecho “dependerá dele”. A súbita hipótese de que a Previ, historicamente sujeita à influência do PT, se juntará à empreitada só aumenta essa certeza.
As empresas que dividem o controle da Braskem são Novonor, majoritária que deseja vender sua participação e anteriormente era conhecida como Odebrecht, e a Petrobras. Ambas estiveram no epicentro da Lava Jato. Um ex-presidente da Previ filiado ao PT e ligado ao já falecido Luiz Gushiken também foi alvo das investigações. Uma enorme fatia da dívida da J&F vem de um acordo de leniência também firmado durante a operação. A J&F foi uma das maiores beneficiárias da política de campeãs nacionais dos primeiros mandatos de Lula.
A interferência de Lula na venda da petroquímica mostra não só que o desejo de controlar setores da economia jamais será arrancado da alma petista, mas que o presidente não pretende se desvencilhar de antigos “companheiros”, nem que seja para tranquilizar o país sobre o risco de que esquemas escusos infectem mais uma vez a política e o mercado.
A venda da Braskem, já observou O Antagonista, é uma oportunidade de pôr fim ao monopólio que a empresa detém em seu setor. Uma venda realizada sob a tutela de Lula não representa uma abertura efetiva do mercado. E ainda existe o risco de o PT usar a oportunidade para ressuscitar velhas práticas.
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