A indignação é negociável na CPI da Covid A indignação é negociável na CPI da Covid
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A indignação é negociável na CPI da Covid

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Mario Sabino
4 minutos de leitura 06.07.2021 12:05 comentários
Opinião

A indignação é negociável na CPI da Covid

Noticiamos ontem que o presidente Jair Bolsonaro está sendo aconselhado por assessores a adiar a indicação do substituto para suceder Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal para depois do término dos trabalhos da CPI da Covid. O motivo seria que, se ele fizesse isso agora, enquanto a comissão ainda está em andamento, o preferido do presidente da República, André Mendonça, teria o seu nome rejeitado. Atual advogado-geral da União, ele vem enfrentando forte resistência da parte de muitos senadores...

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A indignação é negociável na CPI da Covid
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Noticiamos ontem que o presidente Jair Bolsonaro está sendo aconselhado por assessores a adiar a indicação do substituto para suceder Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal para depois do término dos trabalhos da CPI da Covid. O motivo seria que, se ele fizesse isso agora, enquanto a comissão ainda está em andamento, o preferido do presidente da República, André Mendonça, teria o seu nome rejeitado. Atual advogado-geral da União, ele vem enfrentando forte resistência da parte de muitos senadores. De qualquer forma, Jair Bolsonaro disse que André Mendonça será o indicado.

Na verdade, o motivo dos assessores é outro. Neste momento, estão em curso negociações para tentar conter a indignação de senadores que comandam a CPI contra o comportamento de Jair Bolsonaro e os seus asseclas no enfrentamento da pandemia. Em Brasília, a indignação é bastante negociável, e  moeda de troca valiosa é a indicação para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, se o presidente da República indicasse o alagoano Humberto Martins para ocupar a cadeira de Marco Aurélio Mello, o relator da CPI, Renan Calheiros, ficaria muito menos abespinhado e, quem sabe, o seu relatório seria menos contundente, embora a gravidade dos fatos não seja inteiramente contornável. Afinal de contas, Humberto Martins é um magistrado cheio de ismos: dono de notoríssimo saber jurídico, é amicíssimo do senador que continua enrolado com nove processos no STF.

Um grande ativo de Humberto Martins é ser chapa também de Flávio Bolsonaro. O rapaz demonstrou ser bom nisso de indicar para o STF: foi ele que promoveu Kassio Nunes Marques a ministro (juntamente com o indefectível Frederick Wassef). Aquela briga entre Renan Calheiros e Flávio Bolsonaro na CPI da Covid viraria, desse modo, coisa do passado remoto. Assim como na teoria, as inimizades em política são relativas. Outro ativo importante de Humberto Martins, para além da amizade com Renan Calheiros e Flávio Bolsonaro, é o filhão Eduardo Martins, advogado genial que, como noticiou a Crusoé no início de abril, “mesmo depois de ser denunciado por crimes como lavagem de dinheiro e exploração de prestígio no Superior Tribunal de Justiça, não diminuiu o ritmo de atuação na corte presidida por seu pai, o ministro Humberto Martins. Nas últimas semanas, o nome de Eduardo apareceu em três novas causas em curso no STJ que envolvem altas cifras. Em uma delas, está em jogo um acordo judicial de mais de 300 milhões de reais, dos quais 4 milhões já foram destinados ao pagamento de honorários ao rebento do ministro”.

A mesma Crusoé já havia mostrado como Eduardo Martins é um prodígio do mundo jurídico. Entre 2017 e 2020, a banca do rapaz faturou nada menos que 70 milhões de reais. Na sua delação premiada, o ex-governador Sérgio Cabral afirmou à Lava Jato que muitos dos pagamentos ao advogado genial eram direcionados a Humberto Martins, mas todo mundo sabe que Sérgio Cabral é um mentiroso e que a Lava Jato foi um tremendo atentado ao Estado de Direito. Tanto que Humberto Martins quer, sem originalidade nenhuma, reconheça-se, lançar todo o peso da Justiça sobre os procuradores da operação.

Depois de dez semanas de funcionamento da CPI da Covid, há mais coisas ocorrendo nos seus bastidores do que no palco. O segundo depoimento do deputado Luis Miranda, que denunciou a Jair Bolsonaro o esquema de corrupção na compra da Covaxin e sugeriu ter a gravação da sua conversa com o presidente, foi adiado para obtenção de “mais informações”. E Ricardo Barros, citado por Jair Bolsonaro na conversa com Luis Miranda como possível participante do esquema, está com pressa inaudita para falar à comissão. O líder do governo apelou, veja só, ao Supremo Tribunal Federal para prestar logo o seu depoimento e dar o fato como consumado. Entre a vagarosidade de uns e a emergência de outros, abrem-se espaços para esfriar ânimos denunciatórios e indignações — inclusive porque o número de mortes pela doença está diminuindo e, não menos importante, o recesso de julho está logo aí. Mas é preciso pesar também as conveniências para a eleição presidencial de 2022, embutidas nos vazamentos de informações feitos por Renan Calheiros.  Trata-se da fotografia do momento.

Tudo pelo bem do Brasil, naturalmente.

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Mario Sabino

Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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