A esquerda elitista que não faz mea culpa por achar que o povo é burro
O povo não quer lições de moral. Ele quer respeito. Enquanto a esquerda continuar acreditando que está acima do povo, continuará perdendo apoio.
A esquerda brasileira vive um paradoxo. Apesar de afirmar que luta pelos interesses do povo, sua desconexão com as demandas reais da população se torna cada vez mais evidente. Trata-se de um desprezo disfarçado de virtude que só reforça a percepção de que o povo, para essa esquerda, é burro, manipulável e incapaz de entender o que é “melhor” para ele. Tudo sempre dito numa aura de superioridade moral.
A desconexão não começou agora, mas chegou ao ponto em que a própria esquerda parece não entender quem deveria representar. O trabalhador que se orgulha de sua fé, a mãe que tem satisfação em cuidar da casa ou o pai que valoriza o papel de provedor são, hoje, alvos de uma narrativa que insiste em ridicularizá-los. Para a nova militância, esses valores tradicionais são sinônimo de atraso, e discordar da cartilha progressista resulta em rótulos automáticos: fascista, racista, homofóbico. É a militância do cancelamento, feita por quem vive em bolhas onde o Brasil real só existe como objeto de discurso.
As urnas deram um sonoro recado à esquerda que acreditou em pautas identitárias. Alguns entenderam que é necessário voltar os olhos ao povo. Mas tomaram jeito? Não.
O caso recente da PEC da jornada 6×1 é emblemático. A pauta nasceu do desabafo de Rick Azzevedo, um jovem balconista de farmácia, que viralizou ao compartilhar sua exaustiva rotina de trabalho. A ideia, clara e concreta, tocou em um problema real enfrentado por milhares de trabalhadores. No entanto, a chance de reconexão foi engolida pelo marketing político. A proposta de reduzir a jornada semanal, apropriada por figuras da elite progressista, ignorou a essência do problema e transformou uma ideia prática em mais um discurso genérico.
Rick, com sua vivência autêntica, foi deixado à margem. Sua história, que deveria ser o centro do debate, virou moeda de troca foi ofuscada para fortalecer narrativas que pouco ou nada têm a ver com a realidade do trabalhador comum. O que poderia ter sido um movimento genuíno de mudança foi sequestrado por quem prefere posar para as câmeras e lacrar nas redes sociais.
Esse desprezo pelo povo é exatamente o que alimenta o ranço crescente contra a esquerda. Não é apenas uma questão de estratégia política, mas de percepção. Quando o povo percebe que está sendo tratado como massa de manobra, reage. Não adianta defender pautas que só fazem sentido dentro de bolhas universitárias ou redes sociais, enquanto o trabalhador vê sua realidade ignorada. É esse sentimento de abandono que explica, em parte, o afastamento progressivo da periferia e de outros setores populares.
A crise da esquerda não é apenas de comunicação, mas de propósito. O monopólio da virtude e a insistência em tratar o cidadão comum como alguém a ser “educado” colocam em xeque o que restou de sua relevância política. O povo não quer lições de moral. Ele quer respeito. Enquanto a esquerda continuar acreditando que está acima do povo, continuará perdendo apoio. E o mea culpa? Esse nunca virá.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (1)
Marcelo José Dias Baratta
13.11.2024 02:45De uma coerência esse artigo, pouco vejo colunistas com esse conhecimento e consciência. Endosso todas a suas palavras. esses dias publiquei em minhas redes, um comentário que me levou a falar sobre um livro: "A mosca azul", de Frei Beto, escrito quando o Frei Beto deixou a função que exercia junto a Presidência da República, no primeiro mandato do Lula, o livro é muito bom e retrata das vaidades do poder e o que ele faz com pessoas. Tem tudo haver com o seu artigo.