Por que Putin foi reeleito com quase 90% dos votos?
O caráter de “operação política especial”, a eliminação de qualquer risco, impediu o que era crucial para uma democracia: a livre expressão da vontade, a seleção e um resultado aberto
A pseudoeleição russa terminou com um resultado esmagador para Putin. As eleições de três dias foram organizadas como uma celebração, com resultados previsíveis.
Apoiadores de Navalny
Às 12 horas, na extremidade oeste do centro de Moscou, formou-se uma fila de eleitores de várias idades. Foram aqueles que seguiram o apelo feito no início de fevereiro em nome de Alexei Navalny, que morreu num campo de prisioneiros há um mês. A ideia era que se encontrassem, para mostrar que eram muitos e que estavam unidos. A orientação era que votassem em qualquer candidato, exceto Putin ou que invalidassem a cédula escrevendo nela Navalny.
Na ausência de meios legais de protesto, aqueles que estão insatisfeitos com a situação política na Rússia deveriam aproveitar as eleições presidenciais para enviar um sinal e votar em conjunto. O Ministério Público de Moscou alertou sobre consequências criminais. Tal como no funeral de Navalny há duas semanas, seus apoiadores se reuniram. Não havia filas visíveis na assembleia de voto vizinha, do outro lado da rua principal.
Operação política especial
Depois de quase todos os boletins de voto terem sido contados na manhã de segunda-feira, 18 de março, de acordo com a Comissão Eleitoral Central, 87,33 por cento dos votos foram para o atual Vladimir Putin.
Durante três dias, o Estado russo e os meios de comunicação estatais estilizaram as eleições em uma espécie de “operação política especial” com extensa repressão, transformando as eleições em algo oposto à livre expressão da vontade.
O objetivo era mostrar ao próprio país e ao mundo, em tempos de guerra contra a Ucrânia, de conflito com o Ocidente e de turbulência política global, que o povo apoia firmemente Putin e apoia as suas políticas.
Funcionários públicos foram ainda mais pressionados do que em anos anteriores para participarem e prestarem contas das eleições. De preferência eletronicamente, através do controverso sistema russo de votação eletrônica. Mas, mesmo nas urnas tradicionais, tornou-se ainda mais difícil para os poucos observadores independentes detectar e documentar as fraudes e anomalias.
Foi dada especial atenção às “novas regiões”, os territórios ocupados no leste e sudeste da Ucrânia, nos quais houve indícios de irregularidades e tentativas de pressão. A realização de eleições nestes territórios que pertencem à Ucrânia ao abrigo do direito internacional põe em causa a sua legitimidade.
Pão e circo
O Kremlin, junto aos chefes administrativos das regiões dele dependentes, fizeram tudo o que puderam para transformar as eleições numa espécie de evento comemorativo. Tal como nos tempos da União Soviética, os eleitores foram atraídos pelo entretenimento.
As eleições deveriam ser uma celebração para a Rússia e o seu presidente e uma demonstração de quão unido e democrático é o país, condenado ao ostracismo pelo Ocidente.
A tentativa, porém, foi frustrada por numerosos incidentes. As cabines de votação foram incendiadas, tinta foi derramada nas urnas e a região fronteiriça com a Ucrânia ficou sob fogo. Houve inúmeras detenções por “obstrução ao processo eleitoral”.
Sem candidatos da oposição
O caráter de “operação política especial”, a eliminação de qualquer risco, impediu precisamente o que era crucial para uma democracia: a livre expressão da vontade, a seleção e um resultado aberto.
Além de Putin, que concorreu oficialmente como independente, apenas representantes de três partidos de pseudo-oposição foram autorizados a concorrer como candidatos.
O liberal moderado Boris Nadezhdin e a política local Yekaterina Duntsova, que tentaram apelar aos eleitores com mentalidade de oposição a partir de uma posição externa, não foram autorizados a candidatar-se.
A ostensiva autoconfiança do regime, a forma como a administração presidencial tratou os candidatos adversários, a repressão e a coreografia das eleições fizeram com que os oponentes de Putin fossem deliberadamente esmagados com o resultado de quase 90 por cento.
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