Jerônimo Teixeira na Crusoé: A armadilha identitária
Em seu discurso de posse, Jair Bolsonaro afirmou que seu governo vinha liberar o Brasil do “politicamente correto”...
Em seu discurso de posse, Jair Bolsonaro afirmou que seu governo vinha liberar o Brasil do “politicamente correto”. Qualquer que fosse seu entendimento da expressão, é certo que ele fracassou nesse intento: sob outros nomes e roupagens, a entidade que atendia pelo nome de “politicamente correto” e política identitária seguiu viva e vigorosa ao longo dos quatro anos em que o bolsonarismo esteve no poder. Talvez tenha até vicejado com mais força nesse período: a presença de um inimigo declarado no Planalto renovou suas energias.
Neste ano que se encerra, sob o terceiro reinado de Lula, ela ganhou alguns carguinhos desdenhados pelo Centrão, que lhe servem bem para fazer barulho e causar pequenos constrangimentos ao governo (lembram da assessora da secretaria de Igualdade Racial tuitando sobre a branquitude da torcida do São Paulo?). Em sua origem e centro irradiador, a universidade americana (ou “estadunidense”, na linguagem decolonial), os vexames vêm sendo bem mais sérios, o que levou os otimistas a anunciar seu ocaso.
O “politicamente correto” nunca teve contornos conceitualmente bem definidos, e desconfio que a expressão está caindo em desuso. Muito empregada por pessoas de direita para ridicularizar certos adversários do campo oposto, ela era uma forma demasiado genérica para se referir a um conjunto de ideias caras à esquerda pós-moderna que se preocupa mais com minorias étnicas e sexuais do que com o esquecido proletariado. Ao tempo em que o termo se popularizou, os corretos da política formavam (formam ainda, em novas configurações) uma corrente política cuja ação se concentrava na vigilância feroz sobre a linguagem cotidiana, tendência que chegou a seu paroxismo com a chamada “linguagem neutra”.
(Já que falamos de linguagem, um aparte estilístico: com seu pesado adjetivo de modo e um adjetivo fazendo as vezes de substantivo, “politicamente correto” é quase tão canhestro quanto “estadunidense”. “Correção política” seria mais simples e elegante. Mas não adianta protestar contra uma expressão já consagrada – e desgastada. Adiante.)
Hoje, essa esquerda é mais conhecida por termos que seus próprios adeptos empregam. Em inglês, eles se dizem woke (despertos, alertas). De forma mais precisa e frequente, diz-se que eles professam uma ideologia identitária, cuja prática política centra-se obsessivamente em certas identidades étnicas e de gênero. Em O progressista de ontem e do amanhã, Mark Lilla, cientista político da Universidade Columbia, observa um tique linguístico que sintetiza bem o modo de pensar identitário: a mania de abrir uma frase opinativa com uma declaração de identidade…
Leia mais: Assine a Crusoé, a publicação que fiscaliza TODOS os poderes da República.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)