Crusoé: Kamala, uma czarina em cima do muro
A maioria dos americanos acha que o governo lidou muito mal com o problema dos imigrantes ilegais. A vice-presidente e agora candidata tenta fazer de conta que não é com ela
Ninguém precisa saber que czar é, há mais de mil anos, a maneira como imperadores de diversos países como Bulgária, Sérvia e, claro, Rússia, são tratados. Ou que se fala tsár e não qui-zar. Ou que a origem da palavra, bem como do kaiser alemão, vem do latiníssimo Caesar, que virou o nosso César, mas para os latinos clássicos era pronunciado cae-ssar (que, por sua vez, quer dizer “cabeludo”). O que todo mundo sabe é que, se alguém é chamado de
“czar” de alguma coisa, é porque tem muito poder sobre aquilo.
Em março de 2021, Joe Biden anunciou que sua vice, Kamala Harris, seria a nova responsável por liderar os esforços para controlar a fronteira sul dos EUA, tradicional porta de entrada de incontáveis imigrantes ilegais via México. E é claro que sua tarefa não acabaria aí. Ela também ajudaria a diminuir nada menos que a pobreza na América Central, atacando a sua raiz e tirando o incentivo da invasão dos latinos “não documentados”, para ficar no eufemismo usado pela esquerda americana.
Assim como Dilma Rousseff, que em certo momento começou a ser tratada como “a mãe do PAC”, a “gerentona”, Kamala Harris passou a ser apelidada de “czarina da fronteira”, termo que ela nunca negou e ao qual nunca se opôs. O que não estava no horizonte de ninguém naquele momento era que a ex-procuradora californiana, escolhida por critérios identitários, segundo o próprio Biden, para sua chapa vitoriosa em 2020, seria alçada ao posto de candidata presidencial na eleição deste ano, com o atual presidente tendo uma aposentadoria compulsória e involuntária.
Como é de praxe por lá, sua vida e obra passaram a ser escrutinadas e seu papel de imperatriz da imigração, que toca numa das questões políticas mais sensíveis da América atual, voltou às manchetes. Passados quase quatro anos, mesmo o mais apaixonado defensor de Kamala Harris teria dificuldade de citar qualquer êxito da czarina em sua função. A direita americana veio com tudo e boa parte da imprensa esqueceu o mérito e passou a discutir a questão irrelevante de como, quando e se ela tinha mesmo sido empossada literalmente como czarina.
Em junho de 2021, com três meses no cargo, Kamala Harris começou um tour pela América Central, passando por Guatemala, El Salvador e Honduras. Numa coletiva ao lado do então presidente da Guatemala, Alejandro Giammattei, disse a frase que chocou a ala mais à esquerda do seu próprio partido: “se vocês [imigrantes ilegais] vierem para nossa fronteira, serão mandados de volta (…) Não venham, não venham”. A direita, em geral menos afeita a discursos e abstrações grandiloquentes, foi cética em relação aos resultados futuros daquelas palavras.
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