A Rússia é de Marte, europeus e americanos estão perdidos no espaço A Rússia é de Marte, europeus e americanos estão perdidos no espaço
O Antagonista

A Rússia é de Marte, europeus e americanos estão perdidos no espaço

avatar
Carlos Graieb
4 minutos de leitura 22.02.2022 11:16 comentários
Mundo

A Rússia é de Marte, europeus e americanos estão perdidos no espaço

Na noite desta segunda-feira, enquanto Vladimir Putin invadia a Ucrânia com tropas encarregadas da nobre tarefa de "manter a paz", o Conselho de Segurança das Nações Unidas o acusou de violar as leis internacionais e os Estados Unidos e a Europa o ameaçaram com sanções duríssimas. Eis o problema:  pouco antes, no longo discurso em que explicou por que decidiu reconhecer a independência das regiões de Donetsk e Luhansk, o presidente russo avisou que sanções não deterão a Rússia...

avatar
Carlos Graieb
4 minutos de leitura 22.02.2022 11:16 comentários 0
A Rússia é de Marte, europeus e americanos estão perdidos no espaço
Reprodução/RT

Na noite desta segunda-feira, enquanto Vladimir Putin invadia a Ucrânia com tropas encarregadas da nobre tarefa de “manter a paz”, o Conselho de Segurança das Nações Unidas o acusou de violar as leis internacionais e os Estados Unidos e a Europa o ameaçaram com sanções duríssimas. Eis o problema:  pouco antes, no longo discurso em que explicou por que decidiu reconhecer a independência das regiões de Donetsk e Luhansk, o presidente russo avisou que sanções não deterão a Rússia

O desdém de Putin se deve, em parte, às enormes reservas em moeda estrangeira que a Rússia acumulou nos últimos oito anos (o equivalente a mais de um terço de seu PIB), e que lhe dão fôlego para suportar sanções. Outra razão é que países europeus como a Alemanha se tornaram tão dependentes do gás russo que é difícil imaginar que aceitem medidas drásticas como o bloqueio das exportações russas de combustíveis, que afetariam tanto Moscou quanto eles próprios. 

Mas digamos que as ameaças funcionem e a Rússia dê um passo atrás. Nesse caso, a pergunta obrigatória será: até quando? Não só o estranho discurso de ontem, mas também um artigo divulgado em julho de 2021, e muitas outras declarações que pontuam a última década, mostram que Putin é impulsionado tanto por supostas ameaças imediatas quanto por convicções profundas sobre a história e a identidade russas. As primeiras questões podem ser abordadas pela diplomacia, mas é muito mais difícil “negociar” uma visão de mundo. 

O objetivo imediato de Putin ao penetrar na Ucrânia é impedir que ela venha a fazer parte da Otan, uma organização militar. Isso, em tese, possibilitaria a instalação de mísseis ocidentais na fronteira com a Rússia. Mas esse propósito, que ele gostaria que fosse visto como “defensivo”, vem embrulhado em argumentos que retrocedem até a Idade Média, visitam o império russo do século XVIII, lamentam decisões geopolíticas tomadas pela União Soviética e, no final, não deixam dúvida sobre a intenção de restaurar uma “unidade histórica e espiritual” que se traduz, na prática, na submissão de Kiev a Moscou

Há dois caminhos para que o ataque à autonomia da Ucrânia se aprofunde. O mais longo fomentaria a independência de províncias a oeste de Donetsk, passando pela Crimeia e chegando até Odessa. Esse plano existe desde 2014, quando a Crimeia foi anexada. Mais uma vez, os russos apresentam uma justificativa histórica para ocupar essa vasta faixa de terra que ladeia o Mar Negro: no século XVIII, ela constituiu a Nova Rússia, uma região dominada pela imperatriz Catarina, a Grande. O pretexto para a invasão seria proteger minorias de etnia e língua russas, exatamente como acontece neste momento no Donbas. 

O segundo caminho é derrubar o governo ucraniano eleito democraticamente e instalar em seu lugar um regime fantoche. O modelo, neste caso, é a Belarus.  Em setembro do ano passado, Putin se encontrou com o autocrata belarusso Alexander Lukashenko para assinar um conjunto de tratados de livre comércio que poderá facilmente evoluir para uma “união de estados”. A Belarus, aliás, não somente ocupa a mesma zona de transição entre Rússia e Europa, mas também faz parte daquela Rússia ancestral que Putin deseja reunificar. “Russos, ucranianos e belarussos são todos descendentes da antiga Rus, que foi o maior estado da Europa”, escreveu ele em 2021. 

Esse é o caminho que o americano Robert Kagan, um dos mais perspicazes e pragmáticos analistas da política internacional, considera o mais provável: Seria ruim para Putin deixar que a Ucrânia continue a existir como nação depois de todos os riscos de uma invasão. Essa é a receita para um conflito sem fim”, escreveu ele nesta segunda-feira no The Washington Post. “Depois que a Rússia instalar um governo no país, deve-se esperar que ele dê início a um processo de incorporação legal da Ucrânia, como já acontece na Belarus.”

Vinte anos atrás, Kagan usou a expressão “americanos são de Marte, europeus são de Vênus”, para descrever o completo divórcio entre as visões geopolíticas dos dois lados do Atlântico Norte. Talvez se possa adaptar a ideia para os dias de hoje: os russos, claramente, são de Marte. Europeus e americanos estão perdidos no espaço. 

 

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Crusoé: O que pensa o presidente uruguaio eleito sobre Venezuela

Visualizar notícia
2

MST quer a cabeça do ministro Paulo Teixeira

Visualizar notícia
3

Temer compara 8 de janeiro a protestos contra reforma da Previdência

Visualizar notícia
4

Crusoé: O meme é a mensagem de Elon Musk

Visualizar notícia
5

Marçal a caminho do União Brasil

Visualizar notícia
6

"Meu defeito foi jogar limpo”, diz Bolsonaro. Não imagino o que seria sujo

Visualizar notícia
7

Divaldo Franco (97) é diagnosticado com câncer

Visualizar notícia
8

E agora, Marta?

Visualizar notícia
9

STF forma maioria contra proibição de crucifixo em prédios públicos

Visualizar notícia
10

Coronel ligado a Bolsonaro criticou inação e cogitou pressão sobre Lira

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

O contraste entre o NYT e a imprensa lulista

Visualizar notícia
2

Bolsonaro: "Todas as medidas, dentro das quatro linhas, eu estudei"

Visualizar notícia
3

Juíza rejeita acusação contra Trump sobre invasão ao Capitólio

Visualizar notícia
4

O vitimismo de Bolsonaro após o indiciamento

Visualizar notícia
5

Vai ser nesta semana, Haddad?

Visualizar notícia
6

Marilena Chauí entra em lista de professores negros da USP. O que isso significa?

Visualizar notícia
7

Jojo Todynho: "Me ofereceram R$ 1,5 mi para fazer campanha ao Lula"

Visualizar notícia
8

Por que Biden poupou perus em feriado dos EUA?

Visualizar notícia
9

Crusoé: Coreia do Norte expande fabricação de mísseis usados pela Rússia contra Ucrânia

Visualizar notícia
10

Papo Antagonista: Esqueletos bolsonaristas e fantasmas lulistas

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

bielorrússia Estados Unidos Europa invasão da Ucrânia Rússia Ucrânia Vladimir Putin
< Notícia Anterior

Lira defende cassinos: "É demagogia pura não querer que esse debate vá à frente"

22.02.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

"Não adianta o Paulo Guedes vir aqui falar de um monte de reformas que não vão sair"

22.02.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Juíza rejeita acusação contra Trump sobre invasão ao Capitólio

Juíza rejeita acusação contra Trump sobre invasão ao Capitólio

Visualizar notícia
Garoto de 10 anos surpreende com QI superior ao de Einstein

Garoto de 10 anos surpreende com QI superior ao de Einstein

Visualizar notícia
Marilena Chauí entra em lista de professores negros da USP. O que isso significa?

Marilena Chauí entra em lista de professores negros da USP. O que isso significa?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Por que Biden poupou perus em feriado dos EUA?

Por que Biden poupou perus em feriado dos EUA?

Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.