Infiltrados: síndicos apoiados por construtoras sabotam o interesse dos moradores
Esquema é simples, mas devastador
Em diversos condomínios recém-entregues pelo país, um fenômeno cada vez mais evidente tem gerado revolta silenciosa entre moradores e prejuízos milionários: síndicos eleitos com apoio direto ou indireto de construtoras, atuando como verdadeiros “infiltrados” dentro dos edifícios para proteger interesses empresariais e não os direitos da coletividade.
O esquema é simples, mas devastador: a construtora incentiva a eleição de um síndico alinhado aos seus objetivos e garante a ele benefícios, influência e suporte. Em troca, esse síndico evita apontar irregularidades, retarda perícias, dificulta assembleias e sabota qualquer tentativa dos moradores de exigir reparos ou responsabilização jurídica.
“O que vemos é uma manipulação estruturada. Quando o síndico trabalha como um braço da construtora, o condomínio perde sua voz, perde seu poder e, pior, perde dinheiro”, afirma o advogado Felipe Faustino, especialista em direito condominial e sócio do escritório Faustino e Teles.
Como funciona o conluio
A estratégia segue um roteiro previsível e perigosamente eficiente:
1. A construtora articula a eleição do primeiro síndico
Aparecem “lideranças” de fachada: moradores recém-chegados, sem experiência, mas muito próximos da incorporadora.
2. O síndico evita qualquer embate técnico
Orienta moradores a “aguardar”, “não judicializar”, “negociar amigavelmente” enquanto os prazos legais correm.
3. Atraso proposital na contratação de laudos e perícias
Sem provas técnicas, o condomínio não consegue responsabilizar a construtora.
4. Tentativa de deslegitimar reclamações reais
Infiltrados em grupos de WhatsApp e assembleias repetem mantras como:
- “todo prédio novo dá problema”
- “isso acontece em todo condomínio”
- “é normal infiltrar”
- “não vamos bater de frente agora”
5. Manutenção superficial para mascarar vícios graves
Reparos paliativos substituem soluções definitivas e a conta explode futuramente.
6. Manipulação de assembleias para impedir ações judiciais
Convocações mal feitas, quóruns confusos e votações orientadas em massa.
Segundo Felipe Faustino, o padrão é claro: “É uma estratégia para ganhar tempo até que prescrevam os prazos para responsabilização por vícios construtivos. Quando os moradores percebem o tamanho do buraco, já é tarde demais.”
O custo da sabotagem
Os principais prejuízos incluem:
- infiltrações que viram rachaduras estruturais;
- sistemas elétricos com risco de incêndio;
- impermeabilização defeituosa que compromete garagens;
- elevadores mal instalados;
- tubulações estourando com poucos anos de uso;
- áreas comuns deterioradas antes mesmo da primeira reforma.
Condomínios acabam pagando duas ou três vezes pelo que deveria ter sido entregue corretamente desde o início.
E não é só financeiro: há impacto jurídico também.
“Quando o síndico deixa de agir em defesa do condomínio, ele responde civilmente e, em alguns casos, até criminalmente. Mas muitos agem acreditando que jamais serão responsabilizados,” destaca o Dr. Felipe Faustino.
Síndicos que agem como advogados da construtora
O comportamento típico desses “síndicos infiltrados” inclui:
- defender a construtora em assembleias;
- atacar moradores que denunciam problemas;
- impedir perícias independentes;
- recusar orçamentos de engenheiros especializados;
- propor acordos fraudulentos;
- acusar moradores de exagero;
- divulgar informações distorcidas no grupo do condomínio.
Não raro, o síndico tenta relativizar vícios gravíssimos, como infiltrações estruturais e falhas de impermeabilização, afirmando que “é só estética” ou “nada grave”.
“A distorção deliberada de informações técnicas é o maior instrumento desses síndicos. Eles manipulam moradores desinformados para impedir que a construtora seja cobrada” explica Faustino.
Por que as construtoras fazem isso?
Porque funciona.
- Evita ações coletivas.
- Reduz custos com reparos obrigatórios.
- Ganha tempo até prescrever direitos dos moradores.
- Controla a narrativa e impede mobilização interna.
- Mantém imagem pública “positiva” enquanto problemas são abafados.
A presença de síndicos alinhados é simplesmente um negócio rentável para as empresas.
Como identificar um síndico infiltrado
Os sinais mais comuns:
- sempre minimiza problemas estruturais;
- evita contratar engenheiros independentes;
- impede assembleias extraordinárias para tratar de vícios;
- mantém relação próxima e atípica com funcionários da construtora;
- tenta descredibilizar moradores críticos;
- não disponibiliza documentos e contratos;
- encobre defeitos aparentes com reformas superficiais;
- pressiona conselheiros com informações técnicas duvidosas.
“Quando um síndico trabalha mais para preservar a imagem da construtora do que para defender o condomínio, não estamos diante de um gestor: estamos diante de um agente infiltrado”, diz Felipe Faustino.
O que os moradores podem fazer
Existem ações práticas e urgentes:
1. Convocar assembleia para perícia imediata
Mesmo contra a vontade do síndico.
2. Eleger uma comissão independente de moradores
Sem vínculos com a incorporadora.
3. Exigir transparência total dos documentos
Contratos, garantias, laudos, notificações.
4. Substituir o síndico, se necessário
Por voto ou via judicial.
5. Registrar todos os vícios com fotos, vídeos e ata notarial
Prova técnica é soberana.
6. Ingressar com ação judicial dentro dos prazos legais
A demora é sempre o maior inimigo.
Condomínio precisa de gestores, não de agentes infiltrados
O síndico deve ser defensor dos moradores nunca escudo de construtora.
Quando um síndico age para proteger interesses empresariais, ele trai a confiança da coletividade e expõe todos a riscos financeiros, jurídicos e estruturais.
“O condomínio não pode ser governado por quem trabalha contra ele. Identificar, isolar e substituir esses síndicos é urgente. Só assim o condomínio recupera autonomia e evita prejuízos irreversíveis”, finaliza Felipe Faustino.
Enquanto moradores não assumirem o controle da própria gestão, os infiltrados continuarão sabotando de dentro aquilo que deveria ser a primeira trincheira de defesa do condomínio: o síndico.
Por Rafael Bernardes, CEO do Síndicolab, e Felipe Faustino, advogado no escritório Faustino & Teles
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