Ruy Goiaba na Crusoé: Nunca antes na história dessa Olimpíada
Colunista comenta a 'grande novidade' dos Jogos de Paris: pessoas negras, gordas e até mulheres disputam Olimpíadas e ganham medalhas!
Adhemar Ferreira da Silva (1927-2001) é um dos grandes heróis olímpicos brasileiros. Foi duas vezes medalha de ouro no salto triplo (nos Jogos de Helsinki, em 1952, e nos de Melbourne, em 1956) e cinco vezes recordista mundial da modalidade. Competiu pelo São Paulo e, depois, pelo Vasco; as duas estrelas douradas que encimam o escudo do tricolor paulista homenageiam os recordes mundiais que ele bateu em 1952 e 1955, quando era atleta do clube.
Aparentemente, Adhemar, negro de família pobre criado no bairro paulistano da Casa Verde, virou escandinavo agora — ele e os inúmeros campeões negros ao longo de décadas de história olímpica, incluindo Jesse Owens, cujas quatro medalhas de ouro em Berlim-1936 foram um tapa na cara de um certo Führer. Só agora, finalmente, chegou a vez dos negros, assim como a dos gordos: antes só varapaus e sílfides disputavam levantamento de peso, arremesso de peso, luta greco-romana e as categorias mais peso-pesado do judô. E as mulheres, então? Alguém já tinha visto mulher ser campeã da Olimpíada? Nunca antes na história!
Pois é, nas últimas semanas fomos todos informados de que pessoas negras, gordas e até mulheres disputam Olimpíadas e ganham medalhas. Foi assim que alguns colunistas trataram as vitórias de Rebeca Andrade (foto) — a maior medalhista do esporte brasileiro — na ginástica e de Bia Souza no judô (no momento em que escrevo, os únicos ouros do Brasil em Paris). Bia, que tem 115 kg e venceu a categoria “acima de 78 kg”, é também terceiro-sargento do Exército, como integrante do Programa de Atletas de Alto Rendimento do Ministério da Defesa. Mas essa parte, curiosamente, não foi destacada por quem louvou o “ineditismo” do ouro para uma “negra gorda”. Esse povo nasceu anteontem e começou a ver as Olimpíadas ontem? Nunca ouviram falar de Darlan Romani, o Sr. Incrível do arremesso de peso, que infelizmente se contundiu e não pôde ir a Paris? Darlan não é negro, mas não dá para dizer que ele seja um varapau com seus 140 kg.
Aqui mesmo, na Olimpíada passada, reclamei da armandonogueirização do jornalismo esportivo: aquele tipo de crônica com imagens “poéticas”, feita geralmente por quem não sabe escrever poesia nem crônica e merecedora da medalha de ouro em constrangimento, pela vergonha alheia que provoca (“vai, bola, baila!”). Essa praga não morreu; ela só passou a se disseminar na sua variedade identitária. Sem dúvida, a conquista de Rebeca Andrade vai inspirar meninas e meninos que hoje pulam e dão piruetas no sofá da sala a seguirem carreira como atletas olímpicos, do mesmo modo que Rebeca se inspirou em Daiane dos Santos. Mas é pedir muito que isso não sirva de pretexto para os poetas do jornalismo esportivo nos matarem com uma overdose de sacarina?
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