Possibilidade de criar federações gera desincentivo para diminuir partidos, diz especialista Possibilidade de criar federações gera desincentivo para diminuir partidos, diz especialista
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Possibilidade de criar federações gera desincentivo para diminuir partidos, diz especialista

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Gabriela Coelho
13 minutos de leitura 30.01.2022 11:00 comentários
Entrevista

Possibilidade de criar federações gera desincentivo para diminuir partidos, diz especialista

O Supremo Tribunal Federal marcou para 2 de fevereiro o julgamento de uma ação que questiona a validade das federações. Para o PTB, que acionou o Supremo, o modelo afronta o sistema partidário estabelecido pela Constituição...

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Gabriela Coelho
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Possibilidade de criar federações gera desincentivo para diminuir partidos, diz especialista
Divulgação

O Supremo Tribunal Federal marcou para 2 de fevereiro o julgamento de uma ação que questiona a validade das federações. Para o PTB, que acionou o Supremo, o modelo afronta o sistema partidário estabelecido pela Constituição.

Pela nova lei, dois ou mais partidos podem se unir em uma federação, que depende de registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Trata-se de uma aliança eleitoral semelhante à das coligações, mas que, diferentemente destas, dura por toda uma legislatura — ou seja, quatro anos –, e não apenas para as eleições em si.

Para o especialista Luis Victor Tebar Donegá (foto), a federação foi criada para assegurar a sobrevivência dos partidos políticos que não alcançarão a 2ª etapa da cláusula de desempenho, que será executada nas eleições de 2022.

“Isso é ruim para a nossa democracia, uma vez que viabiliza a continua hipertrofia partidária no Brasil (temos hoje 33 partidos políticos registrados no TSE). Porém, a possibilidade da formação de uma federação, com a preservação da identidade e da autonomia dos partidos federados, gera um desincentivo para a diminuição do número de partidos no Brasil, pois a legendas nanicas não terão mais nenhum incentivo constitucional para realizarem fusão ou incorporação”, afirma.

Segundo Donegá, os prazos do TSE e os impasses nos partidos ameaçam formação de federações. O PT, por exemplo, pediu ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF, a ampliação do prazo para a instituição das federações partidárias para 5 de agosto.

Leia a íntegra da entrevista: 

O que é uma federação partidária?
A palavra “federação” vem do latim foederatio, de foedus, que significa união, aliança, liga, tratado, acordo. A federação partidária é a união formal e temporária entre partidos políticos com aproximação ideológica e programática que resulta na criação de uma associação com a duração de, pelo menos, 4 anos. O instituto busca substituir as coligações partidárias, não viabilizadas nas eleições proporcionais, bem como contribuir para que os partidos pequenos ou “nanicos” ultrapassem a cláusula de desempenho, e, desse modo, recebam recursos do fundo partidário e tempo na propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. 

Qual é o problema desse novo modelo?
A meu ver, são dois os principais problemas desse modelo. O primeiro é jurídico, pois a arquitetura normativa da Constituição Federal de 1988 desenha um sistema de partidos políticos que prevê apenas três uniões de partidos: fusão, incorporação e a coligação. Na fusão e na incorporação não é possível preservar as duas características essenciais para uma federação: a identidade e a autonomia partidária. A fusão ocorre pela união definitiva de duas ou mais agremiações em que resulta um novo partido político distinto dos originários. A incorporação ocorre quando um partido político absorve uma ou mais agremiações, e o partido incorporador mantém a sua identidade originária. Nessa situação, o partido incorporador permanece com o seu nome e sigla, se assim desejar. Logo, não cabe analogia dessas uniões de partidos à federação criada pela Lei 14.208/2021. A única união de partidos que possibilita a manutenção dessas duas características essenciais à federação é a coligação, motivo pelo qual se afirma que dentro do nosso ordenamento jurídico essa figura da federação foi criada por essa lei como uma espécie de coligação, posto que não pode uma lei ordinária modificar o sistema partidário previsto na nossa Constituição. Porém, essa união de partidos provisória denominada coligação, que é a única que comporta analogia com a federação, admite, de forma excepcional, apenas formação de uniões provisórias ou coligações somente para as eleições majoritárias (Presidente da República, Senador, Governador de Estado ou do Distrito Federal e Prefeitos), vedando expressamente coligações nas eleições proporcionais. A federação resulta na criação formal de um consórcio de partidos políticos, alterando de forma substancial o desenho do sistema partidário estabelecido na Constituição, somente poderia ter sido criada por meio de emenda constitucional. O denominado ‘emendão’ à PEC 125/2011, relatada pela deputada Renata Abreu no ano passado, chegou a inserir em seu texto o instituto da federação, mas, foi retirado posteriormente para aprovar, na Câmara dos Deputados, apenas o “retorno das coligações proporcionais”, proposição essa que acabou por não prosperar no Senado Federal. Embora se possa diferenciar, do ponto de vista teórico, a federação da coligação partidária clássica, tendo em vista que a coligação se desfaz após a realização das eleições, enquanto a federação nasce com o registro no TSE e vincula os partidos federados durante, pelo menos, uma legislatura (4 anos), bem como em razão de a federação prever um estatuto e programa comuns. Na prática da política, ainda que formalmente o Poder Executivo tenha que negociar apenas com a federação – que agirá no Parlamento como um único partido, acredito que durante o funcionamento parlamentar os partidos federados terão vida própria e continuarão a negociar espaços de poder individualmente. O segundo problema é político. A Federação foi criada para assegurar a sobrevivência dos partidos políticos que não alcançarão a 2ª etapa da cláusula de desempenho, que será executada nas eleições de 2022. Isso é ruim para a nossa democracia, uma vez que viabiliza a contínua hipertrofia partidária no Brasil (temos hoje 33 partidos políticos registrados no TSE). Sem a Federação, as agremiações que não alcançassem a cláusula de desempenho seriam forçadas a fazer uso daquelas outras duas modalidades de união partidária definitivas previstas na Constituição Federal: fusão ou incorporação. Porém, a possibilidade da formação de uma federação, com a preservação da identidade e da autonomia dos partidos federados, gera um desincentivo para a diminuição do número de partidos no Brasil, pois as legendas nanicas não terão mais nenhum incentivo constitucional para realizarem fusão ou incorporação o que, invariavelmente, levará a um completo esvaziamento do propósito para o qual a cláusula de desempenho foi instituída pela EC n. 97/2017, para que saíssemos de um quadro, à época, de 35 partidos para chegar na última (de 4) etapa da cláusula de desempenho, na eleição de 2030, com apenas 7 ou 8 partidos fortes e representativos. Agora, com a federação partidária, provavelmente chegaremos à 2030 com os atuais 33 partidos políticos, senão com um número ainda maior, porquanto os partidos em processo de formação, no TSE, poderão aderir federações para ultrapassar artificialmente a cláusula de desempenho. E a redução do número de partidos políticos é fator positivo para a democracia – seja por fusão ou incorporação – pois justificaria a diminuição dos gastos com o Fundo Partidário e com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que aumentam exponencialmente a cada eleição. Além disso, teríamos uma melhora significativa da governabilidade no nosso presidencialismo de coalizão, pois o Parlamento brasileiro funcionará melhor com um número menor de partidos políticos. Contudo, a Lei 14.208/2021 – que instituiu essa Federação de Partidos – assegura a manutenção artificial da atual hipertrofia partidária e acaba por obstruir a programação constitucional da EC 97/2017, que estabeleceu uma cláusula de desempenho progressiva, em 4 etapas gradativas, com um objetivo claro da redução do número de agremiações com o decorrer dos anos. Na 1ª etapa dessa cláusula nas eleições 2018, dos 30 partidos representados na Câmara, não conseguiram votos suficientes para alcançar aquela cláusula de desempenho: Patriota, Democracia Cristã (DC), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Pátria Livre (PPL), Partido Republicano Progressista (PRP), Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Rede. Pela regra, essas legendas, que têm 31 deputados ao todo, perdem direito ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV no período de 2019 a 2023. Outros cinco partidos não alcançaram a cláusula porque não conseguiram eleger nenhum deputado. São eles: Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido da Causa Operária (PCO), Partido da Mulher Brasileira (PMB), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Veja como a cláusula de desempenho leva para uma significativa redução do número de partidos políticos no Brasil.

E o ponto positivo?
A limitação no recebimento de recursos do fundo partidário e no tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão acarreta a diminuição da representatividade de grupos minoritários que, em regra, se alinham em partidos pequenos, os quais foram diretamente afetados pela EC  97/2017. A federação de partidos poderia, em tese, prestigiar essas minorias, que representam interesses contramajoritários, pois a federação acaba por assegurar o funcionamento parlamentar daqueles que não alcançaram os limites da cláusula de desempenho.

O STF julga semana que vem as federações. O que se espera da Corte?
É uma questão muito interessante e de alta relevância. Teremos com certeza debates travados pelos ministros, intensos e enriquecedores. Se não houver pedido de vista, o que é bem provável pela complexidade da matéria, acredito que o STF deve avançar e julgar definitivamente o mérito da ação. No entanto, ainda que a Corte reconheça a inconstitucionalidade dessa lei ordinária, por modificar indevidamente o sistema partidário, sobretudo por prejudicar o recente aprimoramento feito pela EC 97 (fim da coligação proporcional + cláusula de desempenho), em razão de já estarmos a poucos meses da realização da eleição, como não haverá mais tempo hábil para que os partidos façam as outras opções constitucionais, qual sejam, a fusão e a incorporação, são grandes as chances de o STF modular os efeitos dessa decisão para permitir que os partidos formem federação nessas eleições de 2022. Por lado, caso o STF confirme a decisão liminar do ministro relator, ainda será objeto de grande discussão a redução do prazo de formação da federação por ele proposta, que, segundo a Lei 14.208/2021, poderiam ser formalizadas até 5 de agosto. Caso seja mantida a equiparação ao prazo de criação de partido (6 meses antes das eleições), na prática, essa decisão tornou politicamente inviável que tenhamos a formação de federações ainda no pleito de 2022. Nessa hipótese, da confirmação da constitucionalidade da Lei 14.208/2021, é importante  que o STF faça uma espécie de advertência ao Parlamento, em obter dictum, a fim de evitar que após a realização das eleições de 2022 essa lei seja flexibilizada, alteração essa que já tem sido amplamente noticiada pela imprensa – a exemplo da flexibilização da fidelidade partidária que ocorreu com ‘janelão’ da EC 91/2016 –, que venha a permitir que os partidos federados deixem as federações antes do prazo mínimo de 4 anos ou que coloquem fim a verticalização antes das eleições municipais de 2024, para facilitar os arranjos políticos municipais, o que caracterizaria desvirtuamento ao próprio instituto.

Prazos do TSE e impasses nos partidos ameaçam formação de federações? Por quê?
Com certeza. A participação das futuras federações a serem criadas para as eleições gerais desse ano, somente será possível se o deferimento do registro pelo TSE ocorrer até 6 (seis) meses antes das eleições, portanto até o dia 2 de abril. Esse prazo, como dito anteriormente, foi estabelecido pela decisão liminar proferida no âmbito da ADI 7021, no STF, que será apreciada pelo Plenário da Corte na próxima quarta-feira. O TSE ao regulamentar a lei, com base nessa decisão liminar do STF, determinou que os partidos políticos devem constituir a Federação sob a forma de associação, devidamente registrada no cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e posteriormente, a federação deve apresentar o pedido de registro ao Tribunal Superior Eleitoral, que será julgado em sessão plenária administrativa. Se pensarmos que o TSE retoma as atividades em 1º de fevereiro, teremos praticamente dois meses para que os partidos políticos possam formalizar a federação e realizar o pedido no TSE. O problema não está no tempo em que o TSE terá para julgar os pedidos, já que a Corte Superior Eleitoral apreciará rapidamente todos eles. Inclusive, o TSE estabeleceu duas regras transitórias para facilitar a formação de federação pelos partidos políticos. A primeira estabelece que o relator, após o prazo de impugnação, poderá antecipar a tutela, caso verifique, em juízo de cognição sumária, o atendimento aos requisitos para deferimento do registro da federação. Essa decisão deverá ser imediatamente submetida a referendo do plenário. A segunda é a possibilidade de que o CNPJ possa ser informado no curso do processo, de modo a que a tramitação do feito não seja prejudicada em razão do tempo necessário para que a Receita Federal promova a inscrição da federação no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. O que me parece é que o problema temporal está na dificuldade de fechamento de acordos para a formação fisiológica dessas federações para o pleito vindouro. Desse modo, a meu ver, os impasses vão acontecer em duas frentes: a) por ocasião da deliberação do órgão nacional de cada Partido, que tem que aprovar, por maioria absoluta, a formação da aliança partidária; b) e na elaboração do estatuto comum da federação. Não será uma tarefa simples para apenas dois meses, haja vista muitas divergências internas. Assim, dois meses parece muito pouco tempo para acontecer de forma efetiva tais alinhamentos decisórios de natureza interna corporis dos partidos políticos. Portanto, a instituição da federação, pelos partidos políticos que assim optarem, deve ser pauta emergencial.

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Gabriela Coelho

É jornalista formada pelo UniCEUB, em Brasília. Tem especialização em gestão de crise e redes sociais. Passou pelas redações do Jornal de Brasília, Globo, Revista Consultor Jurídico e CNN Brasil. Conhece o mundo do Judiciário há alguns anos, desde quando ainda era estagiária do TSE. Gosta dessa adrenalina jurídica entre pedidos e decisões. Brasiliense, cobriu as eleições nacionais de 2010, 2014 e 2018 e municipais de 2012 e 2020.

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