Uma crítica filosófica do “altruísmo eficaz”
Filósofa propõe uma alternativa à ideia de eficácia do movimento contemporâneo de filantropia racional
Há uma tendência de que a filantropia (do grego philanthropĭa, “amor pela humanidade”), especialmente nas últimas quatro décadas, seja orientada pelo conceito de eficiência – máximo retorno sobre o “investimento” filantrópico. Essa abordagem, não poucas vezes associada a bilionários da indústria de tecnologia, tem nome e sobrenome: altruísmo eficaz. A ideia é que o gesto caritativo não seja um ato condescendente, uma transferência de recursos a quem precisa deles, mas uma ação que gere “dividendos” e atinja os objetivos pretendidos como um projeto.
Entretanto, uma nova perspectiva surge para questionar essa primazia dos números. A professora de filosofia Meghan Sullivan, da Universidade de Notre Dame, defende que a caridade (do latim carĭtas, “afeto”, “amor”) – sinônimo de filantropia – precisa ir muito além das transações calculadas, do rendimento ótimo de um projeto utilitarista, mas se converter em uma propondo “ética do amor” (etimologicamente mais próxima dos termos).
Para Sullivan, a corrente predominante pode negligenciar a dignidade individual e a noção de comunidade, aspectos que a pesquisadora considera importantes para o cumprimento das obrigações morais mais elevadas. Em matéria de generosidade, não bastam os valores monetários. Sua proposta enfatiza a necessidade de cultivar uma disposição de caráter que seja capaz de sentir e responder às necessidades alheias, abrangendo tanto as pessoas presentes quanto as futuras gerações.
A lógica dos resultados e o altruísmo eficaz
O movimento do altruísmo eficaz consiste na convicção de que a doação deve ser um ato fundamentalmente racional, desprovido (ou não dependente) de impulsos emocionais, focado em maximizar o impacto positivo – o máximo bem ao maior número de pessoas. É inegável a inspiração na ética do Utilitarismo, corrente filosófica do século XVIII, criada pelos filósofos britânicos Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873).
A proposta do movimento do altruísmo eficaz é identificar as organizações beneficentes que, com base em dados e análises, oferecem o melhor “retorno” para cada quantia investida. Para muitos adeptos dessa filosofia, a avaliação do sucesso deve se basear exclusivamente nos resultados esperados, tratando tanto os beneficiários contemporâneos quanto as futuras gerações como meros “pacientes” – entidades passivas sobre as quais se atua, esperando um desfecho favorável. A métrica principal é a efetividade objetiva, buscando a maior utilidade possível para o montante aplicado.
No entanto, e nisso consiste a crítica de Meghan Sullivan, essa abordagem, embora bem-intencionada, sofre de uma limitação básica. Ela argumenta que, ao se atentar unicamente na transação financeira impessoal, por exemplo, ao doar online sem um conhecimento aprofundado das narrativas individuais por trás da causa, corre-se o risco de não honrar as mais importantes obrigações morais. A caridade, sob essa ótica, transforma-se numa gelada equação econômica, que ganha em eficácia o quanto perde em reconhecimento do outro como um ser humano único, com sua própria história e valor intrínseco.
Mais amor, por favor
A “ética do amor”, articulada por Sullivan, posiciona-se como uma forma de ética da virtude, que teve em Alasdair MacIntyre, filósofo moral morto recentemente, um do de seus maiores teóricos contemporâneos.
Diferentemente do altruísmo eficaz, que se concentra na quantificação dos impactos externos das doações, a proposta de Sullivan prioriza o aperfeiçoamento moral do próprio doador. O objetivo é transformar o indivíduo em alguém intrinsecamente capaz de responder às necessidades alheias com compaixão e discernimento, em vez de se limitar a calcular os efeitos de suas contribuições.
Um dos aspectos mais interessantes dessa ética é a sua capacidade de englobar até mesmo pessoas que ainda não existem, ou que são meramente potenciais. A professora ilustra essa ideia com o profundo afeto que pais esperam ter por um filho que ainda vai nascer; mesmo sem conhecer o indivíduo, eles já concebem sua dignidade e futuras necessidades, agindo no presente para moldar um futuro para ele.
De modo análogo, a ética do amor nos convida a enxergar as futuras gerações não como beneficiários de nossas ações, mas como parceiros com dignidade, que irão abraçar ou redefinir os projetos que hoje iniciamos. Reconhecer e valorizar as diferenças que eles possam apresentar é um componente essencial desse amor ampliado. Em sua essência, a ética do amor pretende resgatar a dimensão emocional no centro do ato de doar. Ela nos convida à compaixão (do latim compassio, que significa “sofrimento comum” ou “sentimento compartilhado”).
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