Por que o socialismo nunca é o ‘verdadeiro socialismo’?
Filósofo argumenta que experiências socialistas e comunistas que dão errado (e sempre dão errado) são rebatizadas ideologicamente
A discussão sobre a verdadeira natureza de sistemas políticos ressurge com periodicidade sazonal, principalmente quando nações outrora aclamadas por uma determinada ideologia entram em colapso. No centro desse debate, o argumento de que um regime fracassado não é o regime de verdade. No caso, o socialismo, quando dá errado (e sempre dá errado), nunca é de verdade.
Essa linha de raciocínio é criticada pelo filósofo político Christopher Freiman em seu ensaio “Sobre o socialismo de verdade”, que propõe uma reflexão sobre a validade de se definir um sistema apenas por seus propósitos declarados, ignorando os resultados concretos.
Expectativa versus Realidade
Freiman destaca que uma das vertentes dessa argumentação defende que o socialismo genuíno exige controle direto dos trabalhadores sobre os meios de produção. Assim, mesmo que um governo, como, por exemplo, o da Venezuela, nacionalize centenas de empresas, tal sistema seria rotulado de “capitalismo de estado” – nunca de socialismo. A China talvez seja o mais escandaloso cadafalso retórico dessa atitude intelectual: quando convém ser elogiada, é socialismo bem-feito; quando convém ser criticada, é desvirtuação do socialismo.
O ponto da análise de Freiman, no entanto, se concentra na perspectiva de que um país não seria socialista por não alcançar os objetivos proclamados da ideologia. Ele cita como exemplo o pensamento de Nathan Robinson, do Current Affairs, para quem o declínio venezuelano “nos diz mais sobre os problemas da ditadura, corrupção e incompetência do que sobre o ‘socialismo’”.
Para Robinson, o socialismo venezuelano seria “apenas nominalmente” socialista (ah, entendi!), dado que seu governo seria composto por elites que, além de corruptas, “mal fingiram ser socialistas e que recentemente têm abandonado até o rótulo”, agindo por interesse próprio e sem preocupação com a igualdade. Certo: se a elite é corrupta, é capitalista. Se a elite é boazinha, é socialista. Simples. Se tivesse lido (e entendido) A Nova Classe, de Milovan Djilas, não teria escrito bobagens sem ruborizar. Recomendo.
De acordo com as ideias (ou falta de ideias) do comentarista político, a generosidade e a igualdade seriam intrínsecas à definição de socialismo. Ele diz: “Se não há igualdade, não importa como os líderes do país decidam chamar-se a si mesmos; não há socialismo. As ditaduras são profundamente desiguais e uma vez que a minha política exige igualdade, você não pode condená-la quando aponta para uma sociedade altamente desigual”.
Freiman não cai na conversinha e argumenta que definir o socialismo por um ideal moral torna a análise de seu estatuto inócua e filosoficamente sem interesse, pois, ele retruca, se isso bastasse, não seria necessário observar os resultados reais dos regimes, mas apenas verificar “os termos usados pelo dicionário na entrada intitulada ‘socialismo’”.
O paralelo inconveniente com o fascismo
A crítica de Christopher Freiman avança e antecipa o paralelo com o fascismo, sugerindo que aqueles que defenem a tese do “não é socialismo de verdade” perdem o direito de criticar o fascismo. Ele observa que Benito Mussolini, líder fascista, também proclamava ideais sociais ambiciosos para seu regime. O ditador italiano afirmava que “o fascismo estabelece a igualdade real dos indivíduos perante a nação (…) O objetivo do regime no campo econômico é garantir uma justiça social mais elevada para todo o povo italiano”.
Ele ainda declarava: “Quando a guerra acabar, na revolução social mundial que será seguida por uma distribuição mais equânime das riquezas da terra, o sacrifício e disciplina mantidos pelos trabalhadores italianos terão de ser devidamente reconhecidos. A Revolução Fascista dará outro passo decisivo para diminuir as distâncias sociais”.
Mais adiante, Mussolini chegou a afirmar: “Estamos lutando para impor uma justiça social mais elevada. Os outros estão lutando para manter privilégios de casta e de classe. Somos nações proletárias que se levantam contra os plutocratas”.
Freiman pergunta: se o socialismo é julgado por seus propósitos declarados e não por suas consequências concretas, por que não aplicar o mesmo critério ao fascismo? Ou mesmo ao capitalismo? Por que o liberalismo que deu errado é o liberalismo em sentido estrito?
Ele lembra que a Itália fascista gerou um estado policial, generalizou a pobreza e cometeu inúmeras atrocidades, incluindo o bombardeio da Cruz Vermelha e o uso de gás venenoso. No entanto, seguindo a lógica de Robinson, um fascista poderia replicar que “se não há justiça social, igualdade real entre os indivíduos e uma luta contra o privilégio, não há fascismo, não importa como os líderes dos países decidam chamar-se a si mesmos”.
A conclusão de Freiman é óbvia: “Poucos levariam a sério a resposta ‘isso não é fascismo de verdade’. Não vejo razão para tratar o socialismo de outra forma”. A coerência (ou a honestidade mais básica) exige que os sistemas políticos sejam avaliados por suas manifestações e resultados no mundo real, e não pelas nobres (e nem sempre nobres) intenções de seus ideólogos.
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Comentários (2)
ALDO FERREIRA DE MORAES ARAUJO
29.07.2025 22:20Em seu livro "Conjuntura Política Nacional - O Poder Executivo & Geopolítica do Brasil", o general Golbery do Couto e Silva já mostrava que o espectro político tem que ser entendido não como uma barra, com a extrema direita e extrema esquerda situadas nas extremidades dessa barra e totalmente afastadas uma da outra, mas sim imaginar uma ferradura, onde elas estão relativamente próximas entre si.
Ita
18.07.2025 09:09Caracas!!!! até que enfim lemos algo esperado por muitos de nós. Para quem não é militante a semelhança está clara, límpida.