Josias Teófilo na Crusoé: O realismo socialista identitário
Nunca passou pela cabeça de Karl Marx o travesti revolucionário. Na verdade, essa ideia o teria deixado horrorizado
Até a morte de Josef Stálin, prevaleceu na União Soviética a estética do realismo socialista.
Prevaleceu por imposição, diga-se. Não existia outro tipo de arte pois havia censura generalizada e a produção artística era estatizada.
Um escritor só poderia exercer a sua atividade se estivesse inscrito no sindicado de classe, que era ligado ao Ministério da Cultura e ao governo central, controlado com mão de ferro por Stálin.
A divergência – inclusive estética – poderia levar à expulsão do sindicato (o que significava a interrupção da atividade profissional naquela área), ser punida com prisão e envio a um gulag na Sibéria, ou em outro lugar da URSS, como aconteceu com muitos artistas, que foram não raro mortos — praticamente uma geração inteira de artistas foi assassinada por Lênin e Stálin.
No caso do cinema, que é uma arte cara, não havia a possibilidade de fazê-lo de modo independente ou autoral. Tanto que o primeiro filme que não se insere no realismo socialista é o Quadragésimo Primeiro (1956), feito após a morte de Stálin.
O que é o realismo socialista? É a estética oficial da União Soviética e também uma política de Estado da cultura. É baseado no realismo, que é um período bastante profícuo da arte, e exclui — no caso das artes plásticas — totalmente a abstração, o cubismo ou outras formas de arte, consideradas formas burguesas e alienadas. Nesse sentido, o realismo socialista é muito parecido com a arte oficial da Alemanha nazista – na verdade, chega a ser difícil diferenciar um do outro.
Apesar do termo “realismo“, o realismo socialista tem um elemento de positivismo heroico, e de propaganda pura e simples: não basta descrever a realidade mas mudá-la num sentido específico.
No cinema, por exemplo, o enredo é limitado. Em geral, um revolucionário comanda o povo contra a estrutura da sociedade burguesa e vence. Ou, então, o revolucionário morre e vira um mártir. Não existe complexidade, nem muita criatividade. Muito menos metafísica ou temas religiosos, porque isso era proibido — a religiosidade era vista como alienante e parte da estrutura do estado burguês. Lênin e Stálin destruíram igrejas, históricas antiquíssimas, perseguiram e assassinaram padres, monges e religiosos em geral.
Após a morte de Stálin o realismo socialista deixou de ser obrigatório, mas não deixou de ser produzido pelo Estado soviético.
Tudo isso tem uma semelhança impressionante com a nova versão do socialismo em voga no Brasil de hoje, o socialismo identitário.
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