Jerônimo Teixeira na Crusoé: Carta aberta de Chico perde para treta de Neymar
Os abaixo-assinados de figurões da arte e da academia no Brasil são um capítulo especialmente patético do ocaso do intelectual público
Poderia escrever um artigo a respeito disto: um grupo de artistas e intelectuais divulgou uma carta pública ao presidente reivindicando que o Brasil rompa relações diplomáticas com Israel. Seria, argumentam eles, uma forma enfática de pressionar o governo Netanyahu a encerrar a “carnificina insuportável” em Gaza.
O artigo começaria questionando a infeliz escolha de palavras que aparece entre aspas no parágrafo anterior. Ao qualificar a carnificina em Gaza como insuportável, os redatores da carta indicam que talvez considerem outras carnificinas suportáveis. Seria o caso da carnificina na Ucrânia, que alguns dos 44 signatários aprovam tácita ou explicitamente?
Adiante, eu talvez questionasse a eficiência de rompimentos diplomáticos e bloqueios econômicos para conter guerras ou crimes contra a humanidade. Estaria me arriscando em temas que não domino, mas não é por isso que nunca escreverei esse artigo.
Ou será que já o estou escrevendo, apenas para dizer que não o escreverei? (Existe um nome para essa malandragem retórica: paralipse.)
Enfim, meu tema hoje não é Israel e Palestina. Meu tema é a irrelevância dessas cartas abertas, manifestos e abaixo-assinados em que artistas e intelectuais anunciam, sempre com um senso hipertrofiado da própria importância, suas sempre previsíveis posições.
Quando a curva de mortes pela Covid estava no pico, houve um punhado dessas declarações coletivas contra o governo Bolsonaro. Alguns nomes que hoje assinam a carta endereçada ao “estimado presidente” já apareciam lá. Deu em nada. Ninguém se mexeu por um muito justificável impeachment (o estimado Lula não gostava da ideia), e os mortos seguiram se empilhando.
Um amigo me chamou a atenção para a carta, talvez porque ela tenha algo a ver com meu artigo da semana passada, sobre “caetanismo” (Caetano Veloso não a assinou, mas Gilberto Gil e Chico Buarque estão lá). Por WhatsApp, esse amigo mandou o link da notícia em um portal governista, que tratou a história como coisa de máxima relevância. Mas a imprensa respeitável também noticiou o abaixo-assinado, ainda que sem alarde.
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