“Verdadeira epidemia de criminalidade institucionalizada”, diz ex-chefe da Interpol
Para delegado federal Jorge Pontes, decisão de Dias Toffoli beneficia diretamente bandidos com “enorme poder de destruição”.
Ex-coordenador da Interpol no Brasil, o delegado federal Jorge Pontes diz que a decisão de Dias Toffoli que suspendeu todas as investigações baseadas em dados do Coaf, Receita e Banco Central, sem prévia autorização judicial, beneficia diretamente aqueles bandidos com “enorme poder de destruição”.
Traficantes, membros de organizações criminosas, políticos corruptos e lavadores de dinheiro.
Autor do livro Crime.gov e estudioso das organizações criminosas, Pontes concebeu o conceito de “crime institucionalizado”, modalidade entranhada na estrutura do Estado e que se vale das relações dentro do poder para se proteger de investigações e punições.
Em entrevista a O Antagonista, ele explicou a ideia e criticou a retórica de ministros que dizem trabalhar pelo “garantismo” – jargão jurídico que designa a proteção dos cidadãos ante o poder do Estado –, mas que, para ele, “não passa de um sofisma para justificar a incapacidade de punir a delinquência dos poderosos”.
O ANTAGONISTA – Qual a extensão do dano da decisão de Toffoli para as investigações?
JORGE PONTES – Ainda não se chegou a uma conclusão precisa acerca da amplitude e do alcance da decisão, tanto nas investigações como nos processos em curso. A princípio, me parece que inúmeras investigações serão suspensas e retardadas e que muitos e muitos milhões de reais desviados dos cofres públicos deixarão de ser detectados e recuperados. Enfim, uma coisa já é certa: a decisão não ajudará em nada o combate à criminalidade.
Quais tipos de criminosos se beneficiarão?
Ex-coordenador da Interpol no Brasil, o delegado federal Jorge Pontes diz que a decisão de Dias Toffoli que suspendeu todas as investigações baseadas em dados do Coaf, Receita e Banco Central, sem prévia autorização judicial, beneficia diretamente aqueles bandidos com “enorme poder de destruição”.
Traficantes, membros de organizações criminosas, políticos corruptos e lavadores de dinheiro.
Autor do livro Crime.gov e estudioso das organizações criminosas, Pontes concebeu o conceito de “crime institucionalizado”, modalidade entranhada na estrutura do Estado e que se vale das relações dentro do poder para se proteger de investigações e punições.
Em entrevista a O Antagonista, ele explicou a ideia e criticou a retórica de ministros que dizem trabalhar pelo “garantismo” – jargão jurídico que designa a proteção dos cidadãos ante o poder do Estado –, mas que, para ele, “não passa de um sofisma para justificar a incapacidade de punir a delinquência dos poderosos”.
O ANTAGONISTA – Qual a extensão do dano da decisão de Toffoli para as investigações?
JORGE PONTES – Ainda não se chegou a uma conclusão precisa acerca da amplitude e do alcance da decisão, tanto nas investigações como nos processos em curso. A princípio, me parece que inúmeras investigações serão suspensas e retardadas e que muitos e muitos milhões de reais desviados dos cofres públicos deixarão de ser detectados e recuperados. Enfim, uma coisa já é certa: a decisão não ajudará em nada o combate à criminalidade.
Quais tipos de criminosos se beneficiarão?
Uma enorme gama de criminosos será beneficiada, principalmente aqueles que se dedicam às atividades criminosas mais lucrativas que, em contrapartida, causam mais prejuízos ao país. Do crime organizado até o colarinho branco. Todos eles de enorme poder de destruição para a sociedade. De grandes traficantes de drogas, passando por membros de facções criminosas, até políticos corruptos, lavadores de dinheiro, grandes fraudadores e, enfim, operadores da delinquência institucionalizada.
O ministro diz que ela protege o cidadão, ao impedir uma devassa em suas transações. É assim?
O cidadão de bem, pagador de impostos e obediente à lei, não se beneficiará em absolutamente nada. Pelo contrário, vai aprofundar sua frustração em relação à impunidade e a incapacidade da Justiça em alcançar a bandidagem oficial e os criminosos de alto potencial ofensivo.
A decisão favorece o que o sr. chama de crime institucionalizado? Como?
Desde março de 2014, a sociedade brasileira já assistiu a mais de meia centena de fases da Operação Lava Jato. O que essa operação fez, em especial, foi descortinar o que chamamos de delinquência institucionalizada. Trata-se, então, de uma criminalidade operada por atores nucleares, com viés estruturante, estabelecidos dentro dos poderes, em condições de nomear os chefes da polícia, do Ministério Público, dos juízes que compõem os tribunais que os julgam, de influenciar nos orçamentos da polícia, de aprovar leis que intimidam juízes, delegados e promotores.
O que mais nos assusta é que, desde então, todas as iniciativas que observamos do Congresso Nacional, assim como grande parte das decisões que um grupo majoritário de ministros do STF vem tomando, reiteradamente, são contra os “supostos” exageros que os policiais, juízes e promotores teriam operado. Nada foi intentado, desde 2014, para efetivamente coibir as falhas e vulnerabilidades que levaram o país a ser saqueado por quadrilhas formadas pelos próprios representantes do povo. Essa verdadeira epidemia de criminalidade institucionalizada da qual o Brasil vem sendo vítima não parece sensibilizar legisladores nem tampouco um grupo de ministros do STF.
Justo quando o Brasil percebe-se roubado e vilipendiado por grande parte de sua elite política, num momento de profunda degradação moral, e de “naturalização das coisas erradas” (como bem falou o Ministro Luís Roberto Barroso), um grupo de ministros resolve fincar o pé na retórica do “garantismo”, que na realidade não passa de um sofisma para justificar sua incapacidade de punir a delinquência dos poderosos. Essa aparente insensibilidade favorece obviamente o crime institucionalizado, e ainda nos passa a impressão de que alguns desses ministros atuariam mais em favor dos grupos políticos que os nomearam do que em defesa da Constituição Federal.
Dias Toffoli quer agradar a quem?
A decisão de um magistrado não deveria, em tese, buscar agradar a ninguém. Ela normalmente é exarada a partir de sua consciência e do seu conhecimento jurídico e legal. Essas decisões sobressaltam a sociedade e causam descrédito em relação aos tribunais superiores. O que o cidadão quer é ver a sangria da corrupção estancada, a dinheirama desviada sendo devolvida e os criminosos, sejam eles quem forem, trancafiados numa cela de penitenciária. Nenhum outro desfecho será aceito pelo brasileiro comum. E isso é Justiça.
A decisão também compromete compromissos internacionais do Brasil?
A decisão vai contra recomendações do Gafi, como a que exorta os países a fortalecerem e ampliarem o alcance da atuação de suas agências de inteligência financeira. Há, por conseguinte, risco de entrarmos na “black list” dos Estados pouco confiáveis, o que poderia – em última instância – até causar prejuízos à nossa economia. A propósito, a decisão cai especialmente mal, no momento em que o Brasil se credencia para se tornar membro da OCDE.
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