Volte a ser Gilmar, Gilmar
Gilmar Mendes relata o processo movido pela defesa de Lula que pede a suspeição de Sergio Moro nas condenações impostas ao chefão petista, no âmbito da Lava Jato. O ministro já deixou claro mais de uma vez que acha que Moro agiu com parcialidade e teria coordenado o trabalho dos procuradores nos processos, extrapolando do seu então papel de juiz. A base para as convicções de Gilmar Mendes são ilações direcionadas de provas roubadas...
Gilmar Mendes relata o processo movido pela defesa de Lula que pede a suspeição de Sergio Moro nas condenações impostas ao chefão petista, no âmbito da Lava Jato. O ministro já deixou claro mais de uma vez que acha que Moro agiu com parcialidade e teria coordenado o trabalho dos procuradores nos processos, extrapolando do seu então papel de juiz. A base para as convicções de Gilmar Mendes são ilações direcionadas de provas roubadas: as mensagens que hackers estelionatários roubaram do Telegram de Deltan Dallagnol, que comandava a força-tarefa da operação em Curitiba.
A pergunta a ser feita é se um ministro que não se acha impedido de julgar casos que envolvem pessoas das sua relações, que participa de reuniões com políticos com interesses processuais no Supremo Tribunal Federal, que se acha no direito de cobrir de insultos procuradores da Lava Jato cujo trabalho inevitavelmente sempre acaba sendo julgado no STF, por envolver tubarões da política e do meio empresarial — esse ministro tem isenção suficiente para julgar quem quer que seja por suspeição?
Gilmar Mendes é um ótimo ministro quando as questões envolvem economia, legislação trabalhista e comportamento. Os seus votos são exemplarmente fundamentados e seguem as doutrinas mais avançadas sobre esses temas. Mas o homem perde as estribeiras quando o assunto envolve política. O voto em favor da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado não faz jus ao seu conhecimento jurídico e nem mesmo à defesa que tradicionalmente faz das formalidades do Direito. Se o Gilmar Mendes de quatro anos atrás fosse confrontado com o que ele escreveu agora sobre a possibilidade de ignorar a letra da Constituição, certamente ficaria horrorizado. Acharia que é obra de um partidário do “Direito achado na rua” e as suas “mutações constitucionais”, concepções das quais o ministro costumava ser ferrenho opositor.
A jurisprudência de ocasião movida por paixões políticas e interesse pessoais está deslustrando a reputação de Gilmar Mendes. Tudo bem que ministro do STF não deve participar de concurso de popularidade, mas é preciso ser tão tão odiado assim, e pelos motivos errados? Ele faria um favor a si mesmo se deixasse a jurisprudência de ocasião para lá e se concentrasse na letra da lei e na hermenêutica mais sóbria, como deveria fazer um garantista, afinal de contas. Os processos nos quais figura como julgador de políticos, no entanto, já foram contaminados por ele próprio e os seus colegas de Segunda Turma. O caso da suspeição de Sergio Moro, por exemplo, deveria ser levado ao plenário do Supremo. Se o ex-juiz for julgado suspeito, isso abrirá as portas da cadeia para todos os corruptos condenados por ele. Gilmar Mendes quer mesmo passar à história como o responsável por esse desatino? Como ficará complicado voltar atrás sobre o que disse a respeito de Sergio Moro, não seria melhor jogar a responsabilidade de qualquer resultado para todos os ministros?
Não tenho motivo nenhum para gostar de Gilmar Mendes, pelo contrário. Já o critiquei muitas vezes, não raro usando de ironia. Mas me lembro do ministro que cativou os executivos da editora Abril, no começo deste século, com o seu conhecimento jurídico e gentileza. Foi num almoço comandado por Roberto Civita. Sempre dá tempo de consertar estragos autoinfligidos. Gilmar Mendes deveria retomar o Gilmar Mendes que havia ingressado recentemente no STF, indicado por Fernando Henrique Cardoso.
Volte a ser Gilmar, Gilmar.
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