Tosetto na Crusoé: Meu ato inicial de rebeldia contra a “revolução”
Os perpetradores de 1964 já se retiraram, mas todo 31 de março algum jovem vai às redes dizer “vigiai, que senão tudo pode acontecer de novo”
Domingo passado foi o sexagésimo aniversário daquela “revolução” que meus professores de ginásio, ensinando a nós, alunos, de forma prática, a ironia nos seus usos semânticos, nas expressões faciais e nos tons de voz adequados, chamavam “A redentora”. Isso foi entre 1978 e 1981, ou seja, depois que o general Sílvio Frota foi posto para correr e a abertura posta para andar pela dupla Geisel/Golbery. Eu disse “ironia”, mas, se a memória, essa empoderada, não me trai, houve entre os docentes nesses anos uma progressão, didática e anímica, da ironia à ferocidade: em 1981, uma professora de geografia jovem, maconheira e democrática, do tipo que usava calça boca-de-sino e camisa de botão e se sentava em cima da mesa, já usava abertamente de palavrões para se referir ao Figueiredo, ao Delfim Netto, ao Maluf, enfim, à companhia bela toda. Palavrões que nos deliciavam, menos por quem atacavam e mais por serem meros palavrões – e partirem de boca de mulher.
A luta, entretanto, vinha de muito antes e envolvia muita gente. Meu ato inicial de rebeldia contra a “revolução” e a consequente ditadura militar, por exemplo, foi jogar um chocalho em algum sargento, lá pelo fim de 1967 ou começo de 1968, quando eu orçava pela idade de um ano. Cada um faz o que pode, é o que dizem o ditado e a prudência acanhada do povo, e o que eu podia fazer era isso; no máximo, podia talvez vomitar no sapato de algum tenente. Mas as relações sociais da minha família, proletária vocacionada, não ascendiam a mais que sargento, fosse do Exército, fosse da então chamada Força Pública – daí a minha luta ter que ser travada contra as patentes mais baixas.
Pensando bem, talvez houvesse tenente no raio de ação dos gorfos de uns primos meus: um tio chegou a ser pequeno industrial. Não digo nada se essa condição não o abeirasse até do coronelato. Mas meu pai esteve sempre mais para Meneghetti do que para Crespi, e o próprio Meneghetti, quando se fez arrivista, só ascendeu socialmente do nível do “sêo guarda” para o do “sêo Delegado” quando ganhou nome, nome que meu pai nunca teve – até porque nunca foi ladrão. Sargento, portanto, e olhe lá.
Mas não se tire das circunstâncias – a…
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