Todos querem ser Poder Moderador
O Brasil está repleto de grupos que se veem como um Poder Moderador. Alguns militares acham que as Forças Armadas têm esse papel. Alguns políticos, que o encargo é do Centrão. Ministros acreditam que a missão cabe ao STF. Certos procuradores atribuem a tarefa à PGR...
O Brasil está repleto de grupos que se veem como um Poder Moderador.
Alguns militares acham que as Forças Armadas têm esse papel. Alguns políticos, que o encargo é do Centrão. Ministros acreditam que a missão cabe ao STF. Certos procuradores atribuem a tarefa à PGR. Todos acham que estão aptos, eles mesmos, a exercer o tal Poder. Instituições, afinal de contas, são feitas por gente.
A fantasia do Poder Moderador se ampara em duas ideias: a da elite iluminada, acima do bem e do mal, que pode salvar o país nos momentos de perigo; e a do populacho que precisa ser tutelado.
Veja o discurso do ministro Dias Toffoli (foto) nesta segunda-feira (25), na cerimônia de adeus de Augusto Aras como Procurador Geral da República. “Se não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força do silêncio de sua excelência, Augusto Aras, talvez nós não estivéssemos aqui. Nós não teríamos, talvez, democracia”, disse Toffolli. “Faço essas referências porque são coisas que serão contadas mais à frente na história. Que poucas pessoas sabem. Nós estivemos muito próximos da ruptura.”
Logo depois, o agora ex-PGR fez o seu autoelogio. “O ministro Dias Toffoli trouxe para cá uma matéria que é a defesa da democracia. Sua Excelência sabe bem o esforço que nós fizemos nos anos de 2021, 2022 e até os primeiros meses de 2023 para manter o equilíbrio democrático no país”, afirmou Aras. “As palavras do ministro Toffoli hoje, um dia, adiante, serão detalhadas para que todo o povo brasileiro saiba que a democracia desse país preservada passou por essa instituição.”
As duas ideiais estão aí, nessa troca de afagos: a da elite que salvou a democracia e a da plebe que não pode ter acesso – para o seu próprio bem, é claro – aos segredos que os iluminados trarão a público quando acharem seguro ou conveniente.
A única novidade nos discursos é que Toffoli, num momento de generosidade, dado o contexto de rasgação de seda, abriu espaço para Aras na esfera dos esclarecidos. Mas Toffoli é o ministro que tempos atrás, ao defender a legitimidade do STF para moderar os conteúdos das redes sociais, disse que os integrantes da corte são “os editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”. Só isso.
Agora que tocaram no assunto em público para exaltar a própria prudência e a própria sabedoria, Toffoli e Aras têm o dever de esclarecer do que falavam. O país tem direito aos fatos.
A ideia de Poder Moderador é um entulho da era do Império, do século XIX. O Brasil, na verdade, está farto de gente que ainda acha que pode encarná-lo.
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