Renan, Aziz e Randolfe: sem paz para Jair Bolsonaro
Na CPI da Covid, Renan Calheiros, Omar Aziz e Randolfe Rodrigues fizeram o contraponto ao negacionismo doentio do governo, com bons efeitos para a sociedade -- e também para o marketing pessoal de cada um deles. Sob ataques constantes do presidente e de sua tropa de choque, a cúpula da comissão conseguiu pressionar o governo a comprar mais vacinas e evitar que o dinheiro para a compra de imunizantes fosse desviado. A simples instalação da CPI, aliás, foi suficiente para arrefecer a sociopatia que dificultava o combate à pandemia da parte do Ministério da Saúde...
Na CPI da Covid, Renan Calheiros, Omar Aziz e Randolfe Rodrigues fizeram o contraponto ao negacionismo doentio do governo, com bons efeitos para a sociedade — e também para o marketing pessoal de cada um deles.
Sob ataques constantes do presidente e de sua tropa de choque, a cúpula da comissão conseguiu pressionar o governo a comprar mais vacinas e evitar que o dinheiro para a compra de imunizantes fosse desviado. A simples instalação da CPI, aliás, foi suficiente para arrefecer a sociopatia que dificultava o combate à pandemia da parte do Ministério da Saúde.
Após o colapso no sistema de saúde de Manaus, com pessoas morrendo por falta de oxigênio, a insistência de Bolsonaro em desrespeitar medidas sanitárias e o atraso na vacinação, Randolfe apresentou, em fevereiro, um requerimento para a instalação de uma CPI para investigar os crimes cometidos pelo governo federal durante a pandemia.
O pedido ficou parado na gaveta de Rodrigo Pacheco até abril, quando Luís Roberto Barroso determinou que o colegiado finalmente fosse instalado.
O governo falhou nas negociações com as lideranças partidárias e não conseguiu emplacar seus nomes na comissão, ficando apenas com quatro cadeiras. A oposição e os senadores independentes ficaram com o restante.
A maior derrota ocorreu na escolha do relator: Renan. Aziz foi eleito presidente e Randolfe, vice.
A partir de então, Bolsonaro e seus filhos não pouparam ataques à comissão e especialmente ao trio. O presidente passou a chamá-los diariamente de picaretas e vagabundos, dizendo que a CPI não fazia nada pelo país.
O presidente e os rebentos lembraram os escândalos de corrupção envolvendo Renan, associaram Azia a pedofilia (Eduardo Bolsonaro viu-se obrigado pela Justiça a apagar um post com a acusação) e zombaram de Randolfe, com observações homofóbicas.
Bolsonaro apelidou o presidente da CPI de “anta amazônica”. O senador rebateu chamando-o de “macaco guaíba”, espécie que atira as próprias fezes em seus predadores.
Apesar dos ataques e das tentativas de obstrução da tropa de choque do governo, a cúpula da CPI não teve dificuldade para impor seu ritmo aos trabalhos.
Logo nos primeiros depoimentos, os ex-ministros da Saúde Luiz Henriqe Mandetta e Nelson Teich detalharam como Bolsonaro atuou para sabotar as medidas de combate à Covid e minimizou a gravidade da doença.
Na sequência, em meio ao tumulto promovido por bolsonaristas nas sessões, o CEO da Pfizer, Carlos Murillo, e o diretor do Butantan, Dimas Covas, mostraram como o governo ignorou ofertas de imunizantes e atrasou a vacinação no país.
O clima esquentou durante o depoimento do ex-chefe da Secom Fabio Wajngarten, que havia dito, em entrevista, que houve incompetência do Ministério da Saúde na demora para obter vacinas, tentando eximir o presidente de qualquer culpa.
Depois que Wajngaretn foi pego mentindo repetidas vezes, Renan ameaçou pedir sua prisão em flagrante. A possibilidade provocou um alvoroço entre os defensores do governo, que tentaram evitá-la a todo custo.
Flávio Bolsonaro afirmou: “Imagina um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros”. O relator rebateu: “Vagabundo é você que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete”.
Aziz disse que não atenderia ao pedido de Renan, porque a medida poderia tirar a credibilidade de comissão.
Pouco depois Eduardo Pazuello também se viu alvo de pedidos de prisão feitos pelos senadores, depois que foi pego mentindo diversas vezes em dois dias de depoimento. Segundo Renan, ele inaugurou a “negação do negacionismo”, mas o pedido não foi acatado.
O instrumento da prisão só seria usado mais tarde, durante o depoimento de Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, acusado de pedir propina na negociação por vacinas.
Quando as suspeitas envolvendo a corrupção nas negociações por imunizantes ainda começavam a ser apuradas, O Antagonista revelou com exclusividade acusações que mudariam os rumos da comissão.
O deputado Luis Miranda disse ao site que, juntamente com o irmão, funcionário do Ministério da Saúde, comunicou a Bolsonaro sobre as irregularidades no contrato entre o governo e a Precisa Medicamentos para a compra da Covaxin, como a previsão do pagamento de US$ 45 milhões adiantados a uma offshore em Singapura.
Em depoimento à CPI, Miranda reiterou as acusações e ainda disse que o presidente citou o nome do líder do governo Ricardo Barros como envolvido no escândalo. Bolsonaro não desmentiu as acusações.
Depois de uma série de adiamentos, Barros foi convocado. Em depoimento no qual toda a base aliada de Bolsonaro estava presente para tumultuar, o líder do governo negou o envolvimento no esquema e acusou Miranda de fazer “teatro”.
A sessão precisou ser interrompida depois que Barros acusou a CPI de afastar do Brasil compradores de vacinas, o que provocou a ira dos senadores. Randolfe afirmou que, se ele não fosse deputado, teria sido preso por falso testemunho.
A partir dos depoimentos, a cúpula da comissão começou a destrinchar o caso, que envolvia ainda uma empresa de fachada que se passou por banco para ser a fiadora do contrato, fiscais de contrato que ignoraram os alertas de irregularidades e invoices falsificadas.
Em paralelo à Covaxin, a CPI também apurou o caso Davati, em que intermediários tentaram vender ao governo brasileiro 400 milhões de doses que nem sequer existiam. Foi nesse contexto que o ex-chefe do DeLog Roberto Dias teria pedido propina para o ex-cabo da PM Luiz Paulo Dominguetti.
Na época, chamou a atenção da cúpula da CPI a facilidade com que a empresa teve acesso ao ministério, que demorou meses para levar a sério as ofertas da Pfizer. Renan disse que a história parecia “uma briga de grupos criminosos”.
Quando a comissão se encaminhava para o final, os senadores se depararam com mais um caso escabroso, uma denúncia de ex-médicos da Prevent Senior de que a operadora de planos de saúde teria realizado experimentos com medicamentos inúteis contra a Covid, como a hidroxicloroquina, sem o consentimento dos pacientes.
Os ex-funcionários ainda detalharam como eram pressionados pela Prevent a receitar as substâncias. Segundo eles, a operadora também mudava o código da doença em pacientes com coronavírus, para que eles fossem removidos das UTIs e submetidos a tratamento paliativo.
Às vésperas da apresentação do relatório final, Renan Calheiros vazou o texto para a imprensa. Aziz, Randolfe e os demais senadores do grupo conhecido como G7 entenderam que o relator tentou passar por cima do grupo.
O episódio rachou a cúpula da CPI. “Pelo visto não temos nada a contribuir. Ele deu uma declaração hoje dizendo que o relatório está pronto há dois meses, mas nunca apresentou para a gente“, afirmou Aziz.
Presidente e relator ficaram sem se falar por alguns dias. Randolfe trabalhou para costurar uma conciliação.
O relatório vazado por Renan incluía a imputação a Bolsonaro de crimes como genocídio e tentativa de homicídio. Para a maioria dos senadores, esses pedidos de indiciamento não iriam prosperar e ainda poderiam descredibilizar a comissão.
O relator acabou desistindo de ideia. O parecer final foi apresentado no início de outubro, pedindo o indiciamento de 78 pessoas e 2 empresas.
Renan imputou a Bolsonaro nove crimes: epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, além de crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos, e crime de responsabilidade.
Renan, Aziz e Randolfe foram pessoalmente ao gabinete do PGR, Augusto Aras, para entregar o relatório. O procurador prometeu não engavetar. Até o momento, no entanto, não tomou nenhuma medida concreta.
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