Poluição e energia cara não incomodam Lula
No último dia 3, o ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira esteve na Câmara dos Deputados e disse que gostaria de modificar o dispositivo da lei de privatização da Eletrobras que obriga a União a comprar energia de termelétricas pelas próximas décadas. Dois dias mais tarde, Lula mandou ao STF um processo questionando um aspecto da lei de privatização da Eletrobras. Mas não aquele apontado por Silveira...
No último dia 3, o ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira esteve na Câmara dos Deputados e disse que gostaria de modificar o dispositivo da lei de privatização da Eletrobras que obriga a União a comprar energia de termelétricas pelas próximas décadas.
Esse mecanismo foi e continua sendo muito criticado, porque usinas térmicas poluem a natureza e produzem energia cara. Para um governo eleito com as promessas de cuidar dos pobres e do meio ambiente, faria sentido comprar essa briga. Seria possível obter apoio até mesmo fora da esquerda.
No último dia 5 — dois dias mais tarde —, Lula mandou ao STF um processo questionando um aspecto da lei de privatização da Eletrobras. Mas não aquele apontado por Silveira.
O presidente quer restaurar o poder do governo de ditar os rumos da empresa, ferindo a lógica de um processo de desestatização que foi discutido pelo Congresso, rediscutido pelo TCU e que já produziu resultados, com R$ 28 bilhões de investimentos na companhia.
Faz sentido para um governo de mentalidade estatizante, mas a oposição será ferrenha. Só a esquerda mais envelhecida insiste que vale a pena comprar essa briga.
Lula talvez aposte no fato de que as decisões do STF são cada vez mais imprevisíveis. A corte, e não o futebol, é a verdadeira “caixinha de surpresas” do Brasil de hoje. Até mesmo a coisa julgada, em teoria imutável, foi transformada em coisa incerta pelos ministros: eles cogitam desprezá-la em processos tributários, flertando com o caos.
Não se pode desprezar, portanto, a hipótese de eles decidirem interferir em uma privatização já consumada, alterando as premissas apresentadas a quem concordou em despejar dinheiro na Eletrobras.
Apesar de tudo, a crença majoritária ainda é a de que o STF vai rejeitar a ação ajuizada pela Advocacia Geral da União (AGU). Como disse a Eletrobras em um fato relevante divulgado nesta segunda-feira, 8, o processo de desestatização “seguiu fielmente todo o trâmite legal previsto”. Ignorar esse fato equivale a jogar na lama a segurança jurídica – e riscar o Brasil do mapa dos investidores internacionais.
Diante de duas batalhas possíveis, a das termelétricas e a da privatização, Lula escolheu a que tem menos chances de produzir algum resultado.
Deixo para os psicólogos discutir o papel que o ressentimento, a arrogância, o dogmatismo, o desejo de impor sua vontade a qualquer custo ou uma combinação de todas essas coisas desempenham nessa decisão — companheira, aliás, da tentativa recente de anular por decreto os principais avanços do marco do saneamento. Chamo a atenção para outra questão política.
As termelétricas não tinham nada a ver com a desestatização da Eletrobras. Não precisavam estar no projeto. Foram incluídas nele na reta final da tramitação – um clássico “jabuti”. O sistema nacional de energia foi obrigado a adquirir 8 gigawatts produzidos por usinas que serão instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Investimentos pesados serão necessários para abastecer as termelétricas com gás e distribuir a eletricidade que elas produzirem. Tudo isso para incentivar um modal energético que, vamos repetir, é caro e superpoluente.
Os consumidores brasileiros pagarão a conta.
E quem são os beneficiários? Os donos das termelétricas, é claro, que agora têm pré-contratada a compra da sua energia. Mas, como foi largamente noticiado na época, o projeto não teria sido aprovado sem a inclusão das usinas no texto. Ou seja, diversos parlamentares condicionaram seu voto à existência do famigerado jabuti, o que significa que também eles enxergaram alguma vantagem no incentivo à criação das termelétricas.
Além da obsessão de Lula com a reestatização da Eletrobras, é bem provável que ele tenha deixado as termelétricas em segundo plano porque sabe que teria de arranjar encrenca com uma parte do Congresso para mudar as regras recém-criadas.
Outra hipótese: talvez ele ache que se trata mesmo de um bom negócio — restando saber como o PT, agora no governo, consegue tirar dele algum rendimento político.
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