Os 5 anos da Reforma Trabalhista
Temas trabalhistas costumam afligir os brasileiros. As normas são detalhadas e intromissivas. A jurisprudência é muitas vezes dúbia ou inusitada em relação ao texto da lei. Há muito descumprimento legal e pouco estímulo à formalidade. Não raro, falta aos empregadores e trabalhadores a confiança mútua que deveria sustentar qualquer contrato. Tudo isso ergueu por aqui um cenário de insegurança jurídica crônica, no qual acostumou-se a lidar com o imprevisível e o imponderável...
Temas trabalhistas costumam afligir os brasileiros. As normas são detalhadas e intromissivas. A jurisprudência é muitas vezes dúbia ou inusitada em relação ao texto da lei. Há muito descumprimento legal e pouco estímulo à formalidade. Não raro, falta aos empregadores e trabalhadores a confiança mútua que deveria sustentar qualquer contrato. Tudo isso ergueu por aqui um cenário de insegurança jurídica crônica, no qual acostumou-se a lidar com o imprevisível e o imponderável.
Quando se abriu, portanto, a janela histórica de 2017 pela qual se viu uma chance de realizar uma grande alteração legal em matéria de trabalho, a impressão que se tem é de que a sociedade agarrou a oportunidade com ferocidade. Tanto é que a minirreforma trabalhista apresentada pelo então governo Temer, cujo objetivo era alterar cerca de cinco pontos na CLT, transformou-se em uma maxi reforma – a maior desde 1943, quando nasceu, pelas mãos da ditadura varguista, a Consolidação. Mais de cem dispositivos legais acabaram modificados.
No país em que a proteção ao trabalhador é confundida com o excesso de lei, qualquer desregulamentação é acusada de retrocesso. Pois a reforma de 2017 foi ré confessa desde o início: declaradamente formulou normas simples e flexibilizantes e teve por pilares a segurança jurídica e a liberdade individual. Com base neles, buscou aprimorar o ambiente de negócios, atacar a alta judicialização e permitir que os particulares pudessem, por meio de negociação, customizar seus contratos de trabalho sem muita intromissão estatal.
De fato, a nova lei estabeleceu a prevalência e a segurança jurídica do negociado coletivamente e regras menos rígidas quanto ao cotidiano das relações de trabalho: negociação de jornada, intervalos, alteração de remuneração e parcelamento de férias, para ficar só nos exemplos mais lembrados.
Mas não só. A reforma ainda: 1) extinguiu o imposto sindical, que viciava e politizava a nossa representação sindical – até 2016, cerca de 17 mil sindicatos arrecadavam, sem esforço, 3,9 bilhões de reais todos os anos (dinheiro saído do bolso do trabalhador); 2) regulamentou as novas formas de contratação, mais flexíveis, como o novo trabalho a tempo parcial, o trabalho intermitente e o teletrabalho – os quais aliás, se mostraram essenciais para o enfrentamento da pandemia que se seguiria; e 3) criou o sistema de sucumbência na Justiça do Trabalho, que trouxe maior responsabilidade na litigância e reduziu cerca de 30% do número de ações trabalhistas no Brasil.
Tudo isso constituiu um promissor panorama legal para o aumento de ocupação e renda que, como se sabe, é indissociável de um ambiente seguro para se empreender.
Obviamente já era aguardada uma certa turbulência, natural diante de qualquer grande alteração legal e diante das peculiaridades da magistratura do trabalho, tão ciosa da interpretação principiológica. Até que a nova lei fosse interpretada e a jurisprudência pacificada, era mesmo esperado um tempo de maturação.
Contudo, o que a Reforma enfrentou foi uma verdadeira orquestração de uma resistência, assim autodenominada por alguns setores, inclusive da magistratura trabalhista. Tal resistência, muitas vezes com contornos políticos ou ideológicos, foi o motor de parte das exageradas alegações de inconstitucionalidade. Exageradas segundo o próprio STF, diga-se, pois chegamos ao ponto de termos um Ministro do STF, em um dos seus votos sobre a reforma, a exortar para que os juízes do trabalho cumprissem a nova lei (ver voto do Ministro Fux na ADI 5.794).
De fato, embora alguns pontos tenham sido declarados inconstitucionais pelo Supremo, como o trabalho insalubre da gestante e uma parte do sistema de sucumbência, o STF vem chancelando majoritariamente a Reforma. Foram julgados constitucionais: a prevalência do negociado sobre o legislado, a terceirização de serviços e até de um dos trechos mais políticos, a extinção do imposto sindical.
Paralelamente, estudos acadêmicos demonstraram uma relação direta entre a nova legislação e a melhoria de ocupação. É o caso do agora já conhecido estudo da FEA/USP que identificou, nas regiões em que os tribunais aplicaram de forma mais enfática as novas regras de sucumbência, um impacto positivo nos níveis de emprego.
Ou seja, passada a estridência, o que temos é que a resistência à Reforma Trabalhista de 2017 tende a se arrefecer pela atuação do STF e pela imposição da própria realidade, se deixarmos que ela siga o seu curso natural de amadurecimento.
A criança completa hoje cinco anos. Que ela cresça e que, de preferência, não seja ameaçada de morte.
*Ana Fischer é juíza do Trabalho, coordenou o GAET (Ministério da Economia) e integrou a comissão de redação da Reforma Trabalhista e de outras normas.
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