Orlando Tosetto na Crusoé: São Paulo desvairada
Cidade já deu múltiplos saltos ideológicos, sem nunca deixar de entreter o cidadão
Na véspera da eleição municipal, quero fazer a vindicação da alma porra-louca da minha cidade: São Paulo. Nos próximos parágrafos, tentarei demonstrar que a pauliceia não ganhou à toa o apelido de “desvairada”, e que aliás ela nunca é mais desvairada do que quando da escolha de seus alcaides.
Antes, um pouquinho de história. Tirei meu título de eleitor em 1985, quando fiz dezoito anos. Era um pedação de papel branco meio acartonado, no qual ficava grampeada uma fotografia do infeliz portador e em cuja traseira eram carimbadas as comprovações de comparecimento às urnas. Nestes meus quase quarenta anos de eleitor, participei de mais pleitos do que sou capaz (ou tenho vontade) de me lembrar. Os municipais, que são os dos quais quero falar, foram dez até agora (serão onze no domingo). É muita coisa, não é? A rotina desgasta um pouco nossa relação com a Democracia, você não acha?
Enfim, estreei meu título na eleição municipal daquele mesmo 1985. Foi o pleito que Jânio Quadros ganhou, e, na posse, desinfetou a cadeira na qual Fernando Henrique Cardoso, líder nas pesquisas, se sentara dias antes, posando para um jornal. A vitória do Jânio, esquizóide ideológico e exemplar prototípico daquilo que os ingleses descrevem como tired and emotional, foi o primeiro sinal da excentricidade eleitoral da minha cidade: não esquecer que sua fuga da Presidência, em 1961, foi tida por todo mundo como causadora primeira do golpe de 1964. E aqui se elegeu para, entre outras coisas, criar ônibus de dois andares e recriar a Guarda Municipal.
Três anos depois, a cidade surpreendia novamente: elegeu Luiza Erundina. Mulher, nordestina, abertamente – que digo? escancaradamente, esfuziantemente, aos berros mesmo – socialista. Um senhor plot twist ideológico, e uma demonstração notável de falta de preconceito, já que também se dizia que ela era homossexual, o que nunca se comprovou, e também nunca fez a menor diferença.
A eleição de Paulo Maluf, em 1992, não chegou a surpreender ninguém: a cidade sempre o amou. Mas a de seu sucessor, Celso Pitta, em 1996, sim: o homem era carioca, negro, de direita, sem passado político nenhum, e vivia às turras públicas com a mulher. A cidade gosta de entretenimento. Tanto que Sílvio Santos, outro entertainer carioca, tentou concorrer e não conseguiu.
Antes de ser eleita, em 2000, e apesar de já ter um mandato de deputada federal, Marta Suplicy ainda era mais lembrada como socialite (é filha de industrial, neta de visconde, bisneta de conde e de quatrocentões) e sexóloga: tinha um programa matinal na TV no qual discutia com as donas de casa, entre outras amenidades correlatas, as vantagens contraceptivas do sexo anal. Mais surpreendente do que isso, entretanto, foi uma socialite ser eleita pelo socialista PT, duplo twist carpado ideológico a suceder duas administrações à direita. Nesse pleito, dos mais divertidos, concorreu e causou comoção também o Dr. Enéas Carneiro.
As eleições de José Serra,…
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