O toma lá, dá cá longe dos nossos olhos
O Antagonista, como registramos mais cedo, enviou mensagens a deputados e senadores questionando-os sobre o recebimento de verbas extras de 2020 para cá. As respostas ainda estão chegando, mas quase todas com negativas. Esses recursos são, de maneira proposital, praticamente impossíveis de seres rastreados, porque não aparecem em nenhum sistema público de acompanhamento orçamentário...
O Antagonista, como registramos mais cedo, enviou mensagens a deputados e senadores questionando-os sobre o recebimento de verbas extras de 2020 para cá. As respostas ainda estão chegando, mas quase todas com negativas.
Esses recursos são, de maneira proposital, praticamente impossíveis de seres rastreados, porque não aparecem em nenhum dos sistemas existentes para acompanhamento orçamentário. Não há critérios definidos para a liberação desse dinheiro — estamos falando de bilhões de reais –, nem qualquer transparência sobre a lista de beneficiários.
No início de 2020, este site conseguiu via Lei de Acesso à Informação (LAI) dados do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) — vale a pena relembrar aqui –, então comandado por Gustavo Canuto. Ao destrinchar as planilhas, revelamos como o grupo de Davi Alcolumbre havia sido beneficiado, com destaque para a dinheirama despejada em Amapá, estado do então presidente do Senado. Canuto acabou caindo, também em razão desse episódio, e no seu lugar entrou Rogério Marinho.
O MDR, segundo parlamentares ouvidos por O Antagonista, continua sendo o órgão campeão na liberação desses recursos extras. Também figuram com destaque o Ministério da Agricultura, de Tereza Cristina (DEM); o Ministério do Turismo, comandado atualmente pelo amigo da família Bolsonaro Gilson Machado; o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), chefiado pelo ex-chefe de gabinete do senador e presidente nacional do Progressistas, Ciro Nogueira; e o próprio Ministério da Saúde, que tem o general do Exército Eduardo Pazuello no comando.
Oficialmente, cada parlamentar tem direito, por ano, a R$ 15 milhões do orçamento. Além dessas emendas, chamadas de individuais, há as emendas de bancadas, que também estão em conformidade com as normas vigentes.
Verba extra é dinheiro a mais que o parlamentar consegue na coxia da Esplanada.
Um especialista em orçamento, com mais de 20 anos de experiência, que pede para não ser identificado porque hoje trabalha em um gabinete no Congresso, resumiu assim, de maneira bem didática:
“Verba extra é ‘fio do bigode’. Isso não é de agora, sempre existiu. Mas há, sim, um volume muito maior sendo liberado neste governo. Emendas individuais e de bancadas têm marcadores no orçamento: você consegue rastrear no momento do pedido e da liberação dos recursos. Verba extra é diferente, porque ela não está prevista em lei alguma. O parlamentar chega para um ministro e diz: ‘Olha, minhas emendas acabaram e eu preciso de mais’. Pode ou não ter uma contrapartida. Quando o ministério não tem mais orçamento disponível, pode-se abrir esse espaço por meio de créditos suplementares, aprovados pelo Congresso. É claro que o assessor do ministro tem essa tabela de Excel, com tudo isso detalhado. Mas é carta na manga, essas informações não são encontradas em nenhum sistema corporativo.”
No último dia 27, às vésperas das eleições no Congresso, Claudio Dantas publicou aqui um espelho das planilhas da distribuição de R$ 630 milhões em emendas extras para que aliados ajudassem a eleger Arthur Lira como presidente da Câmara. Deu certo.
Quando questionados sobre as verbas extras, Planalto e ministérios, geralmente, alegam ser impossível ter esse controle. No ano passado, por exemplo, a assessoria do ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, disse a O Antagonista que o único balanço feito por eles era o “das emendas impositivas”, ou seja, as individuais e de bancadas — também vale relembrar aqui.
Propositalmente, assessorias de ministros jogam com uma questão de conceito: negam a informação alegando “não existir verba extra” — o que não deixa de ser verdade, uma vez que esse conceito, como dissemos, não existe na teoria, não é previsto legalmente. Trata-se, como a vida real insiste em mostrar, de um jeitinho que a turma encontra para garantir o toma lá, dá cá longe dos nossos olhos.
O especialista em orçamento citado neste texto disse, aliás, que já sugeriu a parlamentares próximos que apresentem projetos de lei prevendo a obrigatoriedade de o Executivo divulgar qual congressista intermediou a aplicação de determinado recurso, tornando crime eventual ocultação da informação. Repita-se: são bilhões de dinheiro público envolvidos nessa brincadeira.
Enquanto não houver legislação específica, continuaremos em busca das planilhas de Excel e cutucando governos e parlamentares, pelos caminhos tradicionais e via Lei de Acesso à Informação (LAI).
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