Mudanças na Lei de Improbidade Administrativa potencializam corrupção, diz advogada
O plenário da Câmara aprovou em junho projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa, que é a norma usada para punir desvios ou mau uso de recursos públicos e condutas desonestas de gestores...
O plenário da Câmara aprovou em junho projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa, que é a norma usada para punir desvios ou mau uso de recursos públicos e condutas desonestas de gestores.
As mudanças, propostas pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), não foram bem recebidas.
O deputado Roberto Lucena, autor do projeto, criticou as alterações aprovadas pela Câmara. E enviou ontem uma carta aos senadores pedindo que as mudanças votadas sejam anuladas.
Especialistas da área também criticaram a versão final, que protegem gestores corruptos ou incompetente
Em artigo a O Antagonista, Mônica Rosenberg, advogada e co-fundadora do Instituto Não Aceito Corrupção, diz que as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa atacaram um problema real, que é o engessamento do gestor público, mas pelo ângulo errado, que é afrouxando a punição.
“A sobreposição de regras e excesso de punições, resulta em um cenário onde o corrupto consegue se esconder, camuflando suas infrações, e o correto fica exposto, com receio de ser julgado e condenado por tomar uma decisão necessária”, afirma a advogada.
Leia a íntegra do artigo:
“Já ouviram falar do “apagão da caneta”, ou “apagão administrativo”? Os dois termos se referem à situações em que os gestores e funcionários públicos deixam de tomar decisões por medo de punições. Por exemplo, neste momento de pandemia, muitas compras precisaram ser realizadas sem licitação. Trata-se de uma urgência – todos sabemos – mas, ainda assim, gestores se recusam a assinar autorizações devido ao risco de um processo por favorecimento ilícito, ou algo do gênero.
É um problema real no Brasil, que atrapalha e engessa a gestão pública, impedindo a busca de soluções fora da caixa e a tomada de riscos. Retarda a inovação social e o desenvolvimento da nossa sociedade.
Isso acontece porque há uma grande quantidade de leis, criadas para prevenir um outro problema real: a corrupção. Contudo, a sobreposição de regras e excesso de punições, resulta em um cenário onde o corrupto consegue se esconder, camuflando suas infrações, e o correto fica exposto, com receio de ser julgado e condenado por tomar uma decisão necessária.
A principal destas regras é a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que já tem mais de 30 anos e precisa, certamente, ser atualizada – mas não da forma que estão propondo nossos nobres deputados no texto substitutivo ao projeto de lei 10.887/2018, aprovado recentemente na Câmara Federal.
A proposta apresentada flexibiliza a LIA, legislação que garante a responsabilização de gestores incompetentes ou inescrupulosos.
Algumas das principais alterações são: mudança nos prazos de prescrição — a ação, caso não seja julgada, prescreverá em até quatro anos, e o ato em si, caso não seja denunciado, prescreverá em oito anos a partir da data de cometimento da ilegalidade; mudança no prazo de investigação — o Ministério Público (MP) terá um prazo de 180 dias para a conclusão de investigações, prorrogáveis por mais 180 em casos de alta complexidade; inclusão da obrigação de prova de dolo – passa a ser necessário comprovar que houve dolo, ou seja, intenção danos aos cofres públicos, para que um gestor público possa ser condenado – e esta é, especialmente, uma mudança significativa que favorece muito os velhos ratos da máquina pública.
Tampouco é positivo o projeto de lei complementar 9/21 aprovado pelos deputados em fevereiro, por 345 votos a 98. O texto modifica a Lei da Ficha Limpa (LFL), no que tange à inelegibilidade, atrelando esta punição à pena, e não à conduta. Ou seja, quem tiver, por exemplo, as contas rejeitadas, mas receber apenas uma pena de multa, não passará mais a ser ficha suja.
Como disse, é certo que essas leis podem e devem ser aprimoradas. Ocorre que, para diagnosticar uma doença e sugerir um tratamento, precisamos olhar o conjunto dos sintomas, não apenas um órgão acometido.
Neste caso, é preciso considerar todo o arcabouço legal brasileiro, do penal ao administrativo, para entender todas as medidas e normativas que regem a atuação dos gestores públicos. Isso inclui não somente a LIA e a LFL, mas também a Lei de Licitações (Lei 8666), a Lei de Acesso à Informação e a Lei de Abuso de Autoridade. Para cada problema há o correto remédio necessário.
Sabemos que há abusos por parte do MP, com excesso de denúncias e perseguições indevidas. Para lidar com isso, devemos contrapor a Lei de Abuso de Autoridade e defender com mais vigor o gestor vítima de eventual perseguição, que é inadmissível no Estado de direito.
Também devemos reforçar a LAI, e ensinar a população a exercer o controle social, pois onde há transparência e o envolvimento efetivo de conselhos populares e cidadãos nos gastos públicos, o índice de improbidade tende a cair.
No entanto, o mais importante obstáculo, o maior entrave que amarra o gestor e impede que pessoas honestas assumam a gestão pública, é a Lei de Licitações, que por medo do gestor inescrupuloso, gera excessivas limitações e restrições.
Essa sim, é a lei que precisa ser flexibilizada, dando mais autonomia, liberdade e agilidade ao gestor. A pessoa que é eleita para administrar um orçamento deve ter liberdade para agir, dentro do razoável, aplicando-se o princípio da presunção de inocência até prova em contrário. Hoje, o gestor no Brasil já senta na cadeira com a pecha de que vai roubar.
E aí está o X da questão. O princípio da liberdade com responsabilidade, valor basilar do Livres, movimento que tenho orgulho de fazer parte, só vale se houver responsabilização efetiva, com punição exemplar, em casos de fraude, omissão, negligência ou imperícia. Ora, com as alterações que estão sendo propostas pelo Congresso Nacional na LIA e na LFL, esse será cada vez menos o caso. Ficará cada vez mais difícil punir o gestor que viola algum dos princípios da administração pública e cada vez mais difícil impedir que sejam reeleitos.
Temos uma Lei de Licitações que foi feita mirando-se o gestor inescrupuloso, e uma Lei de Improbidade que foi feita mirando o gestor inocente. É urgente sanar este estrabismo e inverter essa lógica, legislando para o honesto e impondo a certeza de punição ao corrupto.”
*Monica Rosenberg é advogada pela USP, pós-graduada no ESSEC de Paris, é co-fundadora do Instituto Não Aceito Corrupção. Foi secretária Executiva da Frente Parlamentar Ética Contra a Corrupção, é líder RAPS, atuou no RenovaBR, e hoje é coordenadora estadual do LIVRES em São Paulo.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)