Moro: “A guerra na Ucrânia e a era da instabilidade”
Nos conflitos bélicos, minutos fazem a diferença. Enquanto escrevo este artigo, os ataques e o número de mortos aumentam e uma nova rodada de negociações pode acontecer a qualquer momento. Já faz quase uma semana que a Rússia invadiu a Ucrânia, em uma clara violação do direito internacional. A guerra voltou à Europa...
Nos conflitos bélicos, minutos fazem a diferença. Enquanto escrevo este artigo, os ataques e o número de mortos aumentam e uma nova rodada de negociações pode acontecer a qualquer momento. Já faz quase uma semana que a Rússia invadiu a Ucrânia, em uma clara violação do direito internacional. A guerra voltou à Europa.
As tensões entre os dois países vinham se avolumando desde a chamada Revolução da Dignidade, em 2014, com a deposição do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, que era favorável à aproximação com a Rússia, em dissonância com desejo majoritário da população de aliar política e economicamente à União Europeia. Oito anos depois, a tentativa da Ucrânia de ingressar na OTAN foi utilizada como pretexto pela Rússia para a invasão, em um alegado movimento de autoproteção.
Esses fatos servem como contexto, nunca como justificativa. A invasão de um país por outro viola a Carta das Nações Unidas, além disso não havia nenhuma ameaça à Rússia proveniente da Ucrânia que justificasse a agressão. Como se não bastasse, o sofrimento decorrente da guerra é motivo suficiente para repudiar todo o ocorrido.
Nos dias seguintes à invasão, assistimos à brava resistência ucraniana, a retratar que a Rússia não terá vida fácil nos combates ou em eventual ocupação do país. Após demonstrações de coragem e resiliência, que reproduzem episódios da Revolução da Dignidade, parece bastante improvável que os ucranianos aceitem com facilidade perder a independência ou a colocação de um governo fantoche pela Rússia. É um jogo no qual a Rússia não parece ter muito a ganhar a médio e longo prazo, ainda que seja eventualmente vitoriosa na invasão. Seria uma vitória de Pirro, na qual os custos superariam em muito os ganhos.
Desde o primeiro momento, manifestei meu repúdio à guerra e à violação da soberania da Ucrânia. Nada, evidentemente, contra a Rússia, mas sim contra a invasão. Se a situação fosse inversa, seria a Rússia a receber a solidariedade. Reiterei esse mesmo posicionamento em pronunciamentos públicos e também nas redes sociais.
A reação das democracias liberais tem sido dura, impondo severas sanções econômicas à Rússia e fornecendo equipamentos e armas aos combatentes ucranianos. Há quem repute tal apoio insuficiente, mas o passo seguinte seria ingressar na guerra, o que poderia precipitar um indesejável conflito mundial.
O Governo brasileiro mostrou-se ambíguo. No Conselho de Segurança da ONU, o Brasil pronunciou-se favoravelmente à aprovação de uma resolução contrária à invasão, mas tem se posicionado contrariamente à imposição de sanções econômicas. Já o Presidente da República, Bolsonaro, a voz mais representativa do País nas relações internacionais, tem se mostrado simpático a Putin, prejudicando a imagem do Brasil na comunidade internacional, e também se colocando na contramão da solidariedade ao povo ucraniano manifestada pela maioria dos brasileiros.
A posição do Presidente converge com a da oposição na extrema-esquerda, liderada por Lula. Dela se ouviu basicamente uma genérica condenação à guerra, como se não houvesse um agressor e uma vítima. O antiamericanismo levou o PT a publicar uma nota na qual, surpreendentemente, culpou os Estados Unidos pelos fatos, deixando de lado a clara responsabilidade da Rússia pela invasão. Há um anacrônico saudosismo por parte da esquerda da antiga União Soviética e que a impede de fazer julgamentos morais acertados.
Os pré-candidatos do centro liberal e democrático, eu inclusive, emitiram, por sua vez, nota conjunta condenando a guerra e a violação da soberania da Ucrânia, somando-se às anteriores manifestações individuais. Essa é a posição correta. Acima dos interesses imediatos, não há neutralidade possível entre agressor e vítima, especialmente diante do sofrimento imposto à população ucraniana pela invasão ilegal por parte de um país estrangeiro. Isso não significa que o Brasil deveria entrar em guerra, abandonar os BRICS ou reavaliar a sua histórica tradição de não-alinhamento, mas sim que deveria externar uma posição clara contra a violação da soberania da Ucrânia.
O Brasil precisa se preparar para os tempos difíceis que virão. Ainda sofrendo as consequências da pandemia e com a economia estagnada por conta de erros políticos, teremos que nos preparar para novos impactos na cadeia de fornecimento mundial e para a elevação dos preços dos produtos exportados por Rússia e Ucrânia, como petróleo, fertilizantes e trigo. Podemos prever mais inflação, redução do crescimento econômico e dificuldades para nossa agropecuária, já atingida pela quebra da safra no sul, devido à forte estiagem.
Winston Churchill liderou o Reino Unido na Segunda Guerra Mundial, mas, ao fim dela, os conservadores perderam a maioria no parlamento para os trabalhistas, e o cargo de primeiro-ministro passou para Clement Attlee. Os britânicos viram Churchill como o líder ideal na guerra, mas não na paz que se seguiu. Não sei se estavam ou não certos, mas Churchill voltou adiante ao cargo de primeiro-ministro.
De todo modo, o mundo atual está se mostrando complexo e, mais do que nunca, precisaremos de boas lideranças para enfrentar esses tempos instáveis. Nos últimos anos, assistimos a crescentes ameaças às democracias liberais – com o ressurgimento de nacionalismos e autoritarismos -, uma pandemia mundial e agora uma guerra que irá trazer desequilíbrios e instabilidades para o mundo todo. Agreguem-se os desafios crescentes da mudança climática.
A lição que devemos extrair de tudo isso é que não temos mais tempo a perder. Precisamos fazer as reformas modernizantes do país para voltarmos a crescer de forma inclusiva e sustentável e para podermos nos posicionar com mais força e segurança em um mundo que promete ser cada vez mais desafiador. Nessa jornada na era de instabilidades, não podemos deixar de lado os nossos princípios fundamentais, e eles exigem que nos posicionemos de forma responsável e clara nos grandes acontecimentos mundiais. Não há mais espaço para erros ou vacilos. É preciso estar do lado certo da história.
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